terça-feira, 16 de junho de 2009

RECURSOS PSICOLÓGICOS E AJUSTAMENTO PESSOAL FRENTE À INCAPACIDADE FUNCIONAL NA VELHICE

Dóris Firmino Rabelo*
Anita Liberalesso Neri#
RESUMO. Diante do aumento da prevalência de condições crônicas na população idosa, crescente atenção é dada à identificação dos fatores psicológicos e sociais que podem afetar o bem-estar e a qualidade de vida de indivíduos mais velhos com incapacidades. Os recursos psicológicos e sociais de que o indivíduo dispõe são um caminho na determinação das implicações da incapacidade funcional na vida das pessoas afetadas. Esta revisão tem como objetivo apresentar algumas maneiras pelas quais os indivíduos enfrentam suas perdas em funções físicas e papéis sociais e a extensão em que os recursos psicológicos e sociais operam sobre os efeitos negativos das condições crônicas na qualidade de vida dos idosos. Entre as variáveis explanatórias apresentadas estão o suporte social, as crenças e estados emocionais positivos, a regulação afetiva, o mecanismo de comparação social, o senso de auto-eficácia percebida, o mecanismo de seleção-otimização-compensação e mecanismos de coping.
Palavras-chave: idosos, incapacidade funcional, ajustamento psicológico.
1 Apoio: FAPESP.
* Psicóloga. Mestranda em Gerontologia pela Universidade Estadual de Campinas-Unicamp.
# Livre-docente. Professora Titular, vinculada ao Programa de Pós-graduação em Gerontologia, Faculdade de Educação da
Universidade Estadual de Campinas-Unicamp.



O envelhecimento populacional e o aumento da prevalência de doenças crônicas acarretaram o
crescimento das taxas de incapacidades físicas e/ou mentais entre os idosos brasileiros, fato que representa muitos desafios para as famílias e para a sociedade, além de ser um risco à boa qualidade de vida destes indivíduos mais velhos (Medina, Ramos, 2003; Sairassu & Goldfeder, 1998). Segundo Karsch (2003), estima-se que no Brasil 10% das pessoas acima de 65 anos precisam de ajuda em atividades básicas de autocuidado e que cerca de 40% necessitam de auxílio nas atividades instrumentais de vida diária, o que significa mais de 6 milhões de pessoas e famílias com
necessidade de apoio e suporte. A incapacidade funcional é a maior conseqüência das condições crônicas, além de afetar o status psicológico e o uso de serviços de cuidado de longa permanência. Para Lamb (1996), a incapacidade refere-se a problemas no funcionamento social e no desempenho de atividades normais da vida diária e de papéis socialmente definidos dentro de um ambiente
particular sociocultural e físico. Segundo Jette (1996), compreender a incapacidade é incluir o exame das características da situação em que a pessoa funciona, considerando não apenas as capacidades, mas também a relação da pessoa com aspectos relevantes da situação. Nesse sentido, considera-se como o indivíduo define a situação da incapacidade e reage a ela, como os outros definem a situação de incapacidade e colocam expectativas para os idosos e consideram-se também as características do próprio ambiente físico. O tópico da incapacidade funcional é de grande interesse não apenas porque esta é influenciada por condições médicas, patologia ou deficiência, mas também porque é influenciada por fatores psicológicos e sociais. Como referido em estudo de Lima-Costa, Barreto
e Giatti (2003) sobre as condições de saúde e capacidade funcional da população idosa brasileira,
segundo a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD) de 1998, 69% dos participantes
relataram ter pelo menos uma doença crônica (sendo esta proporção maior entre as mulheres); por outro lado, a presença destas doenças, a prevalência de incapacidade funcional e a ocorrência de internações hospitalares aumentaram com a idade. Para Ormel, Kempen, Penninx, Brilman, Beekman e Sonderen (1997), indivíduos com condições médicas crônicas são mais propensos a experienciar sintomas depressivos e são menos capazes de controlar muitos aspectos de suas vidas. Além disso, à medida que a prevalência de muitas condições crônicas aumenta com a idade, os idosos vão adquirindo potencial risco de crescente distresse psicológico e de um funcionamento psicológico deficiente. Os recursos psicológicos e sociais de que o indivíduo dispõe são um caminho na determinação das implicações da incapacidade funcional na vida das pessoas afetadas. Os fatores psicológicos refletem a percepção subjetiva do indivíduo e sua avaliação da situação, são importantes na adaptação à incapacidade, funcionam como recursos de enfrentamento, atenuando a adversidade de situações estressantes, e auxiliam no manejo do ambiente social e físico. Além dos recursos médicos, os fatores psicossociais têm grande potencial para determinar em que medida a vida estendida será vivida eficazmente ou com debilidade, dor e dependência (Bandura, 2004).
É importante a compreensão dos meios pelos quais os indivíduos enfrentam suas perdas em funções
físicas e papéis sociais (Ormel & cols., 1997). Entre aqueles afligidos pelas doenças e condições crônicas, alguns avançam para incapacidades severas e outros não. Tem-se pouco entendimento dos fatores protetores que moderam o impacto dessas condições entre os idosos. Diante do aumento da prevalência de condições médicas crônicas na população idosa, crescente atenção agora é dada diretamente à identificação dos fatores psicológicos e socioculturais que podem atuar de forma negativa no bem-estar e na qualidade de vida de indivíduos mais velhos com incapacidades.
Esta revisão tem como objetivo comentar estudos que tratam das maneiras como os indivíduos
enfrentam suas perdas em funções físicas e papéis sociais e a extensão em que os recursos psicológicos e sociais operam sobre os efeitos negativos das condições crônicas na qualidade de vida dos idosos. Serão apresentadas algumas possíveis variáveis explanatórias de natureza psicológica e social que podem operar como mecanismos protetores ou mediadores no ajustamento pessoal de indivíduos mais velhos com incapacidades.

QUALIDADE DE VIDA EM IDOSOS COM INCAPACIDADE FUNCIONAL
Questões como o que é uma boa vida e como deveríamos viver para alcançar esta condição vêm
sendo discutidas pela humanidade há centenas de anos. Definições e indicativos de qualidade de vida
podem variar desde o status socioeconômico, a satisfação de necessidades e a capacidade funcional
até o sentido da vida, a satisfação com a vida, o bemestar e a felicidade. Diante dos vários modelos e
definições de qualidade de vida na velhice, pode-se dizer que a experiência de uma doença que tem
potencial para gerar déficits no funcionamento físico, sensorial e cognitivo afeta o desempenho cotidiano do indivíduo e a avaliação subjetiva que este faz de sua vida (Melzer & Parahyba, 2004).
Para Freire (2003), as dimensões física, psicológica, social e espiritual devem ser consideradas
e uma boa qualidade de vida implica em um indivíduo autônomo e independente, com boa saúde física, com senso de significado pessoal, desempenhando papéis sociais e permanecendo ativo. Paschoal (2004), em apresentação de parte de sua pesquisa de construção de um instrumento de qualidade de vida para idosos, considerou a diferença entre as expectativas do
indivíduo e sua realização. A boa qualidade de vida envolve quanto o indivíduo realizou daquilo que
considera importante, a distância entre o idealizado e o realizado e a satisfação com o que foi possível concretizar até o momento. As dimensões de qualidade de vida consideradas importantes para os idosos pesquisados foram a saúde (estado de saúde, doenças, deficiências dos sentidos, viver sem dor importante, etc.), a capacidade funcional (dependência em geral, AVDs, AIVDs, controle sobre a própria vida, etc.), a dimensão psicológica (alegria, tristeza,
gostar de si mesmo, aproveitar a vida, etc.), a dimensão social (abandono da família, ser lembrado
pelos filhos, os filhos estarem bem, etc.), a econômica (aposentadoria, ter casa própria, ter lugar para morar, etc.) e a ambiental (violência, poluição, etc.), hábitos e estilos de vida (tabagismo, elitismo, atividade física, etc.) e a espiritualidade. A deficiência na competência comportamental tem impacto no bem-estar e na necessidade de ajuda informal e serviços de saúde dos idosos. Segundo Lawton (1991), a competência comportamental representa a avaliação socionormativa do funcionamento da pessoa quanto à saúde, ao uso do tempo e às dimensões sociais e cognitivas. Estas competências no dia-a-dia se refletem em autonomia e independência, levando-se sempre em conta os aspectos objetivos, subjetivos e contextuais. Elas manifestam-se na vivência e no comportamento em
contextos cotidianos e abrangem aptidões físicas, cognitivo-emocionais e sociais em inter-relação com as possibilidades do ambiente. Segundo Baltes (1996), a dependência comportamental é a mais temida pelos idosos, pois os segrega de outros grupos etários e faz que eles sejam tidos como incompetentes de acordo com normas sociais, além de ser um desafio para o qual é preciso enfrentamento. Em pesquisa buscando investigar os efeitos das doenças de longa permanência sobre a qualidade de vida de idosos britânicos, Ayis, Goodberman-Hill e Ebrahim (2003) encontraram que as limitações decorrentes dessas doenças estavam associadas com distresse psicológico, com vulnerabilidade percebida, com percepções mais negativas da própria saúde e falta de expectativa de uma vida longa. Segundo os autores, os domínios sócio demográficos, o ambiente físico e social, as condições da doença, o suporte social e os aspectos psicológicos (ex. solidão, senso de controle e de vulnerabilidade) são prováveis variáveis explanatórias dos efeitos limitantes da doença de longa permanência. As doenças crônicas e as incapacidades conseqüentes podem afetar significativamente o bem estar dos idosos. Segundo Kahn e Juster (2002), a maior parte dos estudos que se preocuparam em acessar o bem-estar incluíram uma ou mais questões sobre a saúde. Para os autores, dado o aumento da morbidade e a comorbidades que freqüentemente aparecem com o avançar da idade, a redução na satisfação com a saúde fica evidente. Em estudo com homens de 50 a 72 anos hipertensos e com alto risco de doença cardiovascular, Agewall, Wikstrand, Dahlöf e Fagerberg (1996) encontraram que pacientes com qualquer doença cardiovascular sentem-se significativamente mais descontentes quando comparados com pacientes sem sinais ou sintomas de doenças cardiovasculares. Clarke (2003), investigando idosos canadenses residentes na comunidade que haviam sofrido acidente vascular cerebral, um evento agudo que deixa seqüelas de longa permanência, encontrou que as incapacidades físicas e cognitivas estão sistematicamente associadas com menor senso de ajustamento psicológico após o AVC. Segundo o autor, a extensão em que a incapacidade restringe o senso pessoal de self poderia ser um caminho através do qual estas incapacidades afetam o ajustamento. Analisando saúde e bem-estar subjetivo entre idosos a partir dos dados do Berlim Aging Study, Smith, Borchelt, Maier e Jopp (2002) verificaram que doenças crônicas e deficiências funcionais limitam o bem-estar especialmente entre os idosos mais velhos (80 anos e mais). Segundo os autores, as cumulativas tensões crônicas de saúde limitam o potencial dos indivíduos mais velhos de experienciar o lado positivo da vida. Segundo Xavier, Ferraz, Marc, Escostequy e Moriguchi (2003), para os idosos octogenários residentes em comunidade da cidade de Veranópolis, a falta de saúde é o principal indicador da ausência de bem-estar e de uma qualidade de vida negativa. Bryant, Corbett e Kutner (2001) investigaram o que constitui a saúde e contribui para isso na perspectiva dos idosos pesquisados, e daí emergiu um modelo de envelhecimento saudável. Para os idosos investigados, saúde significa fazer alguma coisa significativa, o que requer quatro componentes: algo que valha a pena fazer; equilíbrio entre habilidades e desafios; recursos sociais apropriados; e características atitudinais pessoais (ex. atitudes positivas X “pobre de mim”). A maior incidência de eventos negativos na velhice - como doenças, perdas e acidentes - levanta a questão de como os idosos lidam de maneira bemsucedida com eles e conseguem manter uma boa qualidade de vida, ou pelo menos a melhor possível (Kahn & Juster, 2002).
A seguir serão exploradas as maneiras como os indivíduos enfrentam suas perdas em funções físicas e papéis sociais e a extensão em que os recursos psicológicos e sociais operam sobre os efeitos negativos das condições crônicas na qualidade de vida dos idosos. Serão propostas algumas possíveis variáveis explanatórias de natureza psicológica e social que podem operar como mecanismos protetores ou mediadores em indivíduos mais velhos com incapacidades.

RECURSOS PSICOLÓGICOS E SOCIAIS ENVOLVIDOS NO AJUSTAMENTO PESSOAL
FRENTE ÀS INCAPACIDADES NA VELHICE
Vivenciar um evento negativo, como ficar incapacitado, que representa ameaça ao senso de controle pessoal e traz conseqüências numerosas e de longo prazo na vida do indivíduo, tende a acionar seus
recursos pessoais e sociais. Segundo Fortes e Neri (2004), eventos inesperados relacionados à saúde, que ocorrem com mais freqüência na velhice, exigem da pessoa um grande esforço adaptativo e propõem uma demanda à personalidade individual, orientando-a ao enfrentamento dos desafios provenientes de um evento não desejado e ao ajustamento psicológico e social; por isso acionam intensamente os recursos emocionais e cognitivos da pessoa afetada, sendo o sucesso na adaptação das demandas exigidas pelo evento um importante indicador de bem-estar (Davies, 1996). Quanto mais desenvolvidos os mecanismos de ajustamento psicológico, maior a chance de adaptação, presumivelmente sem grande declínio na qualidade de vida do idoso. Para Silva e Varela (1999), adaptação significa maximizar as possibilidades individuais reorganizando a vida frente às limitações percebidas, ajustando-se às diversas situações individualmente ou com a ajuda de outros. É um processo contínuo de atualização das potencialidades pessoais e de aprender a viver com as limitações explorando e utilizando ao máximo seus recursos disponíveis. A crise decorrente da ocorrência de uma incapacidade que demanda efetiva mudança traz dificuldades ao ajustamento pessoal, uma vez que acarreta interrupção na continuidade do estilo de vida, torna necessária a utilização de mais métodos de enfrentamento e de mais esforços para manter o senso de controle, faz com que mude a referência grupal e torna mais difícil identificar novos selves possíveis (Coleman, 1996). Para Davies (1996), as variáveis mais significativas envolvidas na adaptação são o suporte social, o coping e o controle percebido. De acordo com Antonucci (2001), o suporte social ajuda os indivíduos a enfrentar e se recuperar das demandas da vida. Segundo a autora, pessoas com amplas redes sociais têm mais ajuda nos tempos de doenças e as pessoas que percebem mais suporte enfrentam melhor as enfermidades, o estresse e outras experiências difíceis da vida. Para Handen (1991), o suporte social aumenta a auto-estima e o sentimento de domínio sobre o próprio ambiente, tem a função de coping ao amenizar o impacto das doenças e provavelmente modera o efeito das crises inesperadas. Segundo Antonucci (1994), o suporte social estimula o senso de controle e auto-eficácia. Os membros da rede social são capazes de promover no indivíduo a crença de competência e de capacidade de controlar seu ambiente e ser bem-sucedido. As mulheres têm redes sociais maiores e mais multifacetadas, percebem melhor disponibilidade de suporte, dão mais suporte e têm melhores habilidades interpessoais do que os homens. Na velhice, essas habilidades tornam-se significativamente mais úteis na expansão e no fortalecimento das redes de suporte social. Além
disso, as mulheres fazem melhor uso de instituições socialmente organizadas (Antonucci, 2001; Haden, 1991).Os eventos da vida podem ser estressantes porque exigem ajustamento da parte do indivíduo e também porque restringem fontes importantes de suporte, o que tem grande impacto sobre a saúde e o bem-estar. Em estudo objetivando identificar os fatores da qualidade de vida associados com os padrões de incapacidade na velhice, Lamb (1996) verificou que os indivíduos mais incapacitados funcionalmente e com perfis mais depressivos (tendência maior para mulheres) apresentaram mais saúde percebida negativamente, escores de humor mais baixos e menor satisfação com a freqüência de contato e de visitas de familiares e amigos. Aqueles muito deprimidos tinham
menor suporte instrumental em termos de parentes disponíveis.
Na tentativa de identificar os determinantes mais importantes de bem-estar entre idosos poloneses após a ocorrência do primeiro AVC isquêmico, Jaracz e Kozubski (2003) encontraram que o mais forte é a extensão do suporte emocional, seguido da presença de depressão e do status funcional. Segundo Agewall, Wikstrand, Dahlöf e Fagerberg (1996), o aumento da mortalidade em pacientes hipertensos com alto risco de doença cardiovascular esteve associado com uma rede social pobre. De acordo com Clarke (2003), para os sobreviventes de AVC participantes de sua pesquisa o suporte social apareceu como importante para o senso positivo de bem-estar e para o domínio sobre o ambiente, em parte porque ajuda nas estratégias de adaptação das incapacidades. Aqueles com uma grande rede de suporte social percebiam grandes oportunidades de crescimento pessoal e aqueles que estavam satisfeitos com seu suporte tiveram escores mais altos nas relações positivas com outros e na auto-aceitação. Recursos psicológicos como o otimismo, o controle pessoal e o senso de significado também são importantes como reservas que permitem às pessoas enfrentar mais efetivamente os eventos críticos da vida. Segundo Taylor, Kemeny, Reed, Bower e Grunewald (2000), ilusões positivas que representam crenças positivas moderadas de distorções sobre a realidade, como o otimismo irreal e a percepção exagerada de controle pessoal, têm efeitos psicológicos protetores. Segundo os autores existem algumas razões pelas quais as ilusões positivas sobre a saúde podem inclusive afetar o curso da doença física. Em primeiro lugar as crenças positivas têm impacto nos estados emocionais, que por sua vez podem causar mudanças fisiológicas e neuroendócrinas. Elas também podem promover comportamentos saudáveis, uma vez que pessoas dotadas de senso de autovalor acreditam no seu poder de controle e são otimistas quanto ao seu futuro; são também mais propensas a praticar hábitos de saúde mais conscientes e a fazer uso dos serviços mais apropriadamente. Para Ramos (2003), embora grande parte dos idosos tenha pelo menos uma doença crônica, se estes mantiverem suas enfermidades controladas são capazes de levar uma vida normal mesmo diante de incapacidades. A terceira razão que conecta as crenças positivas ao curso da doença é baseada no fato de que os estados emocionais positivos estão associados com
bons relacionamentos sociais.
Finalmente, o otimismo, o senso de controle pessoal e a autoestima estão ligados aos esforços ativos de coping, e as ilusões positivas ajudam os indivíduos a encontrar significado na experiência. Para Salovey, Rothman, Detweiler e Steward (2000), as experiências emocionais positivas aumentam a
disponibilidade de recursos psicológicos, uma vez que pessoas com estados emocionais positivos
acreditam ser menos vulneráveis, enfrentam mais efetivamente os eventos estressantes e apresentam
maior disponibilidade de contatos interpessoais e mais soluções criativas. Labouvie-Vief e Medler (2002) acreditam que a regulação afetiva envolve duas estratégias independentes: a otimização afetiva e a complexidade afetiva. Os idosos têm grande capacidade de resiliência e, frente a perdas, tendem a organizar seu ambiente de maneira a maximizar afetos positivos e a amenizar os negativos. Essa habilidade auto-reguladora é chamada de otimização afetiva. Um critério adicional é a complexidade afetiva, caracterizada pela amplificação do afeto na busca por diferenciação e
objetividade. Refere-se aos mecanismos de regulação emocional que envolvem a habilidade de
coordenar afetos positivos e negativos em estruturas flexíveis e diferenciadas. No desenvolvimento humano, à medida que o sistema cognitivo amadurece, os indivíduos são mais capazes de coordenar sentimentos positivos e negativos através de processos de inibição/desinibição, avaliação e análise, e como resultado são desenvolvidas estruturas cognitivo afetivas complexas. Os mesmos autores sugerem que a otimização afetiva e a complexidade afetiva cooperam para formar uma auto-regulação efetiva e que as estruturas cognitivo-afetivas podem declinar na complexidade da meia-idade em diante. Sua pesquisa mostrou que a dimensão da otimização afetiva está relacionada principalmente com a família e com a qualidade dos relacionamentos, e a dimensão da complexidade afetiva está relacionada com a complexidade do ambiente, o status econômico e a educação. Além disso, o afeto positivo e sua maximização têm diferentes significâncias no contexto de alta ou baixa complexidade afetiva. A incapacidade oferece às pessoas muitas oportunidades de tirar conclusões sobre como sua situação se compara com a de outras pessoas (Tennen & Afleck, 1997). A comparação com outros desempenha um papel importante na avaliação e construção da realidade e no enfrentamento de eventos negativos. Em situações que produzem um decréscimo no bem-estar, os indivíduos irão freqüentemente se comparar com outros que eles acreditam serem piores, em um
esforço de melhorar seu bem-estar, particularmente quando não têm em vista oportunidades de ações
instrumentais (Buunk, Gibbons & Reis-Bergan,1997). Esse mecanismo de enfrentamento é denominado por Wills (1997) de comparação descendente (downward comparison). A ciência,
por parte da pessoa, de que existem indivíduos com problemas piores ou atributos inferiores e que há situações potencialmente piores, faz emergir a percepção de que seu status é relativamente mais
favorável, e isso produz um aumento no bem-estar subjetivo. A comparação descendente poderá atuar reduzindo o afeto negativo atual e permitir que a pessoa sinta-se melhor no momento. Para Kulik e Mahler (1997), a afiliação a outros grupos que tenham passado pelo mesmo problema pode ajudar no enfrentamento da situação. Segundo os autores, argumenta-se que em geral a decisão de se juntar a esses grupos envolve o processo de comparação social. O contato com outros que estão enfrentando situações similares reduz a ansiedade e os sentimentos de singularidade ou de desviante, além de ser fonte de suporte social. A proliferação de tais grupos nos últimos anos tem demonstrado por si só a sua importância no enfrentamento de situações estressantes. Entre os atributos psicológicos importantes para o gerenciamento de condições crônicas está a crença de auto-eficácia percebida. O conceito de auto-eficácia, introduzido por Bandura no contexto da teoria social cognitiva, diz respeito às crenças que as pessoas têm em sua própria capacidade de organizar e executar os cursos de ação requeridos para alcançar determinados resultados. A autocrença das pessoas em suas capacidades permite que elas exerçam controle sobre os eventos que afetam suas vidas; e como essas crenças se traduzem em realização e motivação, elas têm forte impacto no pensamento, no afeto, na motivação e na ação (Bandura, 1993). A auto-eficácia percebida influencia o que as pessoas escolhem fazer, sua motivação, sua perseverança frente a dificuldades, sua
vulnerabilidade ao estresse e à depressão. Influencia-as na situação de presença de doenças crônicas inclusive no nível de benefício que os indivíduos recebem das intervenções terapêuticas. Altos níveis de auto-eficácia para o enfrentamento das conseqüências das doenças crônicas estão associados com a melhora nos sintomas, melhor bem-estar físico e emocional e o aumento das atividades sociais. Assim, a auto-eficácia percebida é uma pré-condição essencial para o manejo apropriado da doença crônica (Holman & Lorig,1992). Baixas expectativas de auto-eficácia percebida podem predizer grande incapacidade, e para as pessoas idosas centram-se principalmente na reavaliação e na avaliação incorreta de suas capacidades. De fato, muitas capacidades físicas podem declinar na velhice, especialmente diante de doenças, requerendo reavaliações da eficácia pessoal. A avaliação da própria capacidade é altamente vantajosa e não raro essencial para o funcionamento efetivo. Aqueles que julgam incorretamente o que são capazes de fazer podem engajar-se em desempenhos que produzem conseqüências pouco satisfatórias (Bandura, 1997). Segundo Baltes (1996), quando a velhice tornase cheia de restrições tanto na capacidade quanto nas oportunidades ambientais, os idosos invariavelmente lançam mão da seleção e compensação. Com o objetivo de manter e otimizar a funcionalidade, a dependência em alguns domínios tem que ser ajustada. A seleção, a otimização e a compensação (SOC) são três processos adaptativos. A seleção é invocada em resposta a perdas na funcionalidade ou capacidade, e inclui evitar, reduzir ou restringir o número de atividades, bem como reorganizar objetivos pessoais com vistas a focalizar aquelas áreas que são mais importantes ou salientes na vida cotidiana do indivíduo. Otimizar as atividades abarca os esforços que as pessoas fazem para ampliar ou enriquecer suas reservas com vista a permanecer funcionando, como, por exemplo, praticar, treinar e exercitar atividades para superar o declínio comportamental. Os processos de compensação são respostas às perdas na capacidade e incluem processos psicológicos ou esforços comportamentais para melhorar a funcionalidade. A manutenção da competência dependeria então da seleção dos domínios em que o indivíduo retém melhor nível de funcionamento, otimizando-os mediante estratégias de treino e garantindo assim a compensação das perdas. Segundo Lang, Rieckmann e Baltes (2002), o uso de estratégias de seleção, otimização e compensação está associado com uma melhor funcionalidade física e mental e também requer o uso da capacidade individual nos domínios do funcionamento sensório-motor, cognitivo, social e da personalidade. Assim, quanto mais rico em recursos sensório-motores, cognitivos, sociais e de personalidade for o indivíduo que envelhece, melhor é o engajamento no uso de estratégias de seleção, otimização e compensação. No estudo realizado pelos autores com base no Berlin Aging Study, foi proposto que idosos ricos nestes recursos exibem menos diferenças negativas associadas ao envelhecimento e funcionam melhor no cotidiano do que aqueles que são pobres em recursos. Os resultados sugeriram que o uso de estratégias de seleção, otimização e compensação no cotidiano é maior entre os idosos ricos em recursos, quando comparados com aqueles pobres em recursos. Os idosos ricos em recursos sensório-motores, cognitivos, sociais e de personalidade investiam mais tempo com seus familiares, reduziam a diversidade de atividades dentro do domínio mais saliente de lazer, dormiam com mais freqüência e aumentaram a variabilidade de investimentos de tempo através de atividades. Em estudo que buscou investigar os esforços comportamentais de idosos com osteoartrite e/ou osteoporose usados na adaptação de suas incapacidades, Gignac, Cott e Badley (2000) verificaram que os idosos usam uma ampla variedade de formas de adaptação, que incluem a compensação de perdas, a otimização de performances, a restrição ou limitação de atividades, e ganham ajuda de outros. Segundo Rothermund e Brandtstädter (2003), com o avançar da idade estes esforços
compensatórios mais cedo ou mais tarde chegam ao seu limite. Acima dos 70 anos o decréscimo nesses esforços compensatórios está associado à diminuição da disponibilidade e da eficiência dos
recursos de ação. Para os autores, a resiliência do self na velhice não pode ser explicada simplesmente em termos de esforços ativos de compensação. Os processos de enfrentamento assimilativo e acomodativo dão uma explicação mais compreensiva, que considera o efeito recíproco entre as intervenções ativas e o ajustamento de metas pessoais e padrões para mudanças nos recursos de ação. O enfrentamento assimilativo consiste na tentativa de evitar ou diminuir as perdas mediante atividades instrumentais, autocorretivas e compensatórias. Neste modo de enfrentamento, o indivíduo tenta transformar a situação avaliada negativamente de maneira a conformá-la com as aspirações e metas pessoais. Um modo diferente de neutralizar a discrepância entre o estado atual e o idealizado consiste em adaptar as metas e os objetivos aos dados constrangimentos. Esse processo acomodativo envolve o desengajamento e a diminuição dos padrões de performance pessoais e aspirações, isto é, os indivíduos acomodam seus objetivos e adotam padrões de performance mais suaves ou indulgentes. Os processos acomodativos são dominantes quando as repetidas tentativas ativas de mudança da situação são mal-sucedidas e são importantes para amenizar tensões emocionais que emergem diante da experiência de incapacidades irreversíveis. Os idosos participantes da pesquisa dos autores sobre a questão dos dois processos de coping, mostraram que a estabilidade na auto-avaliação depende do ajustamento de padrões pessoais, e que a aceitação de padrões mais indulgentes de comparação amenizaram os efeitos negativos dos déficits físicos na satisfação com a performance pessoal. Como destacou Coleman (1996), a crise decorrente da ocorrência de uma incapacidade que exige mudança efetiva traz dificuldades de ajustamento, porque também torna mais difícil identificar novos selves possíveis. De acordo com Atcheley (1999), o desenvolvimento da incapacidade pode ter efeitos negativos nas várias dimensões do self, uma vez que altera a estrutura social do indivíduo no sentido de introduzir constrangimentos físicos e no estilo de vida, influencia negativamente a percepção individual de agência, reduz a concepção de uma pessoa resiliente emocionalmente e traz abandono de algumas metas pessoais. Para o autor (1991), inclui-se nos impactos negativos a interrupção da continuidade do self, mais necessidade de defesas e enfrentamento de perdas para o self, reduzidas capacidades de usar defesas como a interação seletiva, dificuldade de identificar selves possíveis, despersonalização do ambiente social, mudança nas referências grupais e menores habilidades em usar feedback na reconstituição do self. Os indivíduos incapacitados usualmente têm que redefinir o significado de competência e autoconfiança; no entanto, existem muitos indivíduos mais velhos que conseguem enfrentar positivamente a fragilidade. Encontrou-se em estudo feito por Atcheley (1999) que a maioria dos idosos pesquisados que desenvolveram incapacidades mostraram continuidade no senso de agência, na resiliência emocional e nas metas pessoais. Segundo o autor, estes resultados sugerem que o desejo interno por continuidade excede as pressões externas e situacionais por mudanças, pelo menos em relação a estes elementos do self e, na ausência de graves limitações e incapacidades, os idosos conseguem a continuidade nos vários domínios do self. Segundo Staudinger, Marsiske e Baltes (1995), diante de perdas o self apresenta resiliência ou capacidade de reserva, isto é, o potencial de manutenção e recuperação dos níveis de adaptação normal e a presença de recursos latentes que podem ser ativados frente aos desafios e exigências. É proposto que os idosos, mesmo sob condições de limitações e incapacidades funcionais, mantêm um senso positivo de bem-estar (Smith, Borchelt, Maier & Jopp 2002). Segundo Neri (2001), perdas na funcionalidade não são necessariamente um impedimento para a continuidade do funcionamento cognitivo e emocional, e como qualquer ser humano, o idoso consegue ativar mecanismos compensatórios para lidar com essas perdas. Para Clarke (2003), os processos psicológicos de adaptação e recursos sociais como programas de reabilitação e cuidados em domicílio são importantes na redução dos efeitos adversos das incapacidades funcionais sobre o bem-estar na idade avançada. A capacidade dos indivíduos de se ajustar à diversidade e à dificuldade das experiências de vida, mantendo níveis positivos de bem-estar e qualidade de vida, apresenta um paradoxo. Segundo (Albrecht & Devlieger, 1999), o paradoxo da incapacidade leva à questão: “Por que muitas pessoas com incapacidades sérias e persistentes relatam que experimentam boa ou até mesmo excelente qualidade de vida quando a maioria dos observadores externos destes indivíduos acredita que estes têm uma existência indesejável?” Na tentativa de explicar esta questão, os autores encontraram nos resultados de sua pesquisa a confirmação deste paradoxo e constataram também que, para os indivíduos com incapacidades entrevistados, a boa qualidade de vida depende do balanço entre corpo e mente e da manutenção de relações harmoniosas dentro dos contextos pessoais e sociais. Algumas pessoas incapacitadas são capazes de produzir e manter esse equilíbrio e conseqüentemente experimentar alta qualidade de vida, enquanto outros não são capazes de lidar com suas condições de saúde, têm limitados recursos, pouco conhecimento e restrições ambientais. Eventos negativos como a incapacidade funcional decorrente de condições crônicas levantam a questão de como estes eventos afetam a qualidade de vida dos indivíduos e de como esses indivíduos lidam com eles de maneira bem-sucedida. À medida que as pessoas envelhecem, a habilidade de se recuperar de eventos negativos da vida adquire importância adicional (Kahn & Juster, 2002). Considerando que o envelhecimento e o desenvolvimento pessoal são processos complexos dependentes do contexto sócio-histórico e cultural e da interação de fatores biológicos e subjetivos, chamamos a atenção para a importância de pesquisas mais aprofundadas sobre o que é ser velho no Brasil, com sua realidade sociocultural multifacetada, e como estes idosos estão se comportando frente às suas incapacidades e doenças. O envelhecimento satisfatório é dependente do equilíbrio entre as limitações e as potencialidades do indivíduo, e aqui foram propostos alguns recursos pessoais e sociais de que os indivíduos lançam mão frente a um evento indesejado, na tentativa de alcançar este equilíbrio. Diante do acelerado envelhecimento da população brasileira e de suas conseqüências, muitas possibilidades de estudo e prática se abrem para o psicólogo frente a este campo ainda muito inexplorado num país tão diverso quanto o nosso, e com muitas demandas clínicas, sociais e educacionais emergentes.







CONSIDERAÇÕES FINAIS
O fato de que ser idoso e incapacitado resulta em maior desvantagem social já está documentado; mas também é sabido que grande parte dos idosos são de alguma maneira capazes de neutralizar os efeitos destas desvantagens e manter satisfatória sua qualidade de vida, suas autoconcepções e seu
ajustamento pessoal (Atcheley, 1999). Para tanto, é importante a disponibilidade de recursos psicológicos e sociais, entre eles, o suporte social, as crenças e estados emocionais positivos, a regulação afetiva, o mecanismo de comparação social, o senso de autoeficácia percebida, o mecanismo de seleçãootimização- compensação e mecanismos de coping. O reconhecimento da longa permanência das conseqüências psicossociais das condições incapacitantes é crucial no estabelecimento de programas de cuidado. Com o crescente número de idosos vivendo com doenças crônicas, problemas de saúde e decréscimo na capacidade, o que importa para os profissionais engajados nestas questões é ajudar esses idosos a viver uma vida tão boa quanto possível. É relevante ter em mente que quanto mais integrados psicológica e socialmente estiverem os idosos, menos ônus eles trarão para suas famílias e cuidadores e para os serviços de saúde e melhor será sua
qualidade de vida.

REFERÊNCIAS
Agewall, S., Wikstrand, J., Dahlöf, C. & Fagerberg, B. (1996). Negative feelings (discontent) predict progress of Intima-media thickness of the commom carotid artery in treated hypertensive men at high cardiovascular risk. American Journal of Hypertension, 9(6), 545-550.

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Recebido em 27/05/2005
Aceito em 15/09/2005

Envelhecimento Ativo: da intenção à ação

William S. Smethurst
Escola Superior de Educação Física. Universidade de Pernambuco.
Correspondência: wss@esef.upe.br

INTRODUÇÃO
O envelhecimento globalizado pode ser considerado uma das maiores conquistas da humanidade. Em um certo sentido, todo o desenvolvimento cultural ao longo da história teve em perspectiva o prolongamento da vida; conferir-lhe sentido e dignidade se constitui em um dos maiores desafios de nossos dias. Ainda nas primeiras décadas deste século, tal fenômeno imporá exigências econômicas e sociais em escala mundial. Reconhecendo a pouca efetividade das políticas relativas ao envelhecimento
populacional, a Organização Mundial da Saúde lançou, em 2002, através do documento intitulado “Envelhecimento Ativo: um Marco Político”, as bases de um novo paradigma para o enfrentamento das exigências atuais e futuras apresentadas pelo processo de envelhecimento em todo o mundo. A OMS sustenta que os países poderão lidar bem com o envelhecimento, desde que os governos e a sociedade
civil envidem esforços por políticas e programas que melhorem a saúde, a participação social e a seguridade dos cidadãos em todas as fases da vida. Especialmente nos países em vias de desenvolvimento, ajudar a que as pessoas sigam sãs e ativas enquanto envelhecem, mais que um luxo, é uma absoluta necessidade (OMS, 2002).
Neste trabalho discorre-se sobre as idéias contidas no referido documento, particularmente naquilo que tange à promoção de uma vida ativa e à preservação da capacidade funcional ao longo do envelhecimento. Também são apresentados dados acerca da condição funcional de nossa população, bem como um exemplo bem sucedido de como transformar teoria em prática.

O QUE É ENVELHECIMENTO ATIVO?
À medida que a pessoa envelhece, sua qualidade de vida se vê determinada, em grande parte, por sua capacidade para manter a autonomia e a independência. Tal constatação fez surgir o conceito de esperança de vida saudável, que significa por quanto tempo podem as pessoas esperar viver sem incapacidades. Esse conceito revestese de maior importância em um país como o nosso, onde o aumento da
longevidade está alterando a sociedade de uma forma muito mais profunda
do que o simples crescimento do segmento idoso da população (Camarano,1999). População essa que envelhece aceleradamente sem desfrutar, na sua maioria, das condições que poderiam proporcionar um envelhecimento
bem sucedido. Para que o envelhecimento seja uma experiência positiva, deve vir
acompanhado de oportunidades contínuas de saúde, participação e seguridade. Ao final dos anos 90, a Organização Mundial de Saúde denominou esse processo de Envelhecimento Ativo. O termo foi adotado com a intenção de transmitir uma mensagem mais completa que a de Envelhecimento Saudável, bem como reconhecer os fatores, que juntos com a atenção sanitária afetam a maneira de envelhecer dos indivíduos e das populações (OMS, 2002). Faz referência à participação contínua
nas questões sociais, econômicas, culturais, espirituais e cívicas, não apenas à capacidade para estar fisicamente ativo ou participando da força de trabalho. Trata da ampliação da esperança de vida saudável e da qualidade de vida para todas as pessoas à medida que envelhecem, incluindo aquelas pessoas frágeis, incapacitadas ou necessitadas de assistência, que, dentro das próprias possibilidades e limitações, podem e devem continuar interagindo com sua comunidade. Coaduna-se com o conceito de sociedade inclusiva, como definido por Ratzka (2001), uma sociedade não apenas aberta e acessível a todos, mas uma sociedade que acolhe e aprecia a diversidade; uma sociedade cuja meta principal é oferecer oportunidades para que todos realizem seu potencial humano. O envelhecimento ativo depende de uma diversidade de determinantes que rodeiam as pessoas, as famílias e as sociedades. Estas determinantes, transversais, infraestruturais e atitudinais, interferem na qualidade de vida de todos os grupos etários, não só das pessoas de idade avançada. Isso significa que qualquer esforço no sentido de promover o envelhecimento ativo resultará em efetiva melhoria na qualidade de vida de todos. Não se é possível atribuir uma causalidade direta a nenhuma delas; no entanto, um volumoso conjunto de evidências sugere que todas, em interação, são preditoras da qualidade do envelhecimento, tanto ao nível pessoal como das populações. Uma das principais questões acerca desse tema, tanto nos países desenvolvidos como nos que estão em vias de desenvolvimento, é sobre se uma força de trabalho minguante será capaz de sustentar a parte da população que mais cresce (os idosos), que comumente se crê dependente daquela. Tal preocupação deve ser relativizada, na medida que a maioria das pessoas idosas de todos os países seguem produtivas, trabalhando tanto nos setores formais como informais, e contribuindo de várias maneiras com suas famílias e comunidades. Faz-se necessário, portanto, que as políticas e os programas voltados para o envelhecimento possibilitem as pessoas seguirem trabalhando de acordo com suas habilidades e preferências à medida que envelhecem, prevenindo ou retardando as incapacidades e enfermidades crônicas que são as grandes responsáveis pelo declínio produtivo na velhice.

DETERMINANTES PESSOAIS
Embora existam evidências de que a longevidade tenda a ser similar dentro de um grupo familiar, é consenso que o processo de envelhecimento de um indivíduo é resultado de uma conjunção de fatores de natureza genética, ambiental, do estilo de vida, nutricional e, em grande medida, vicissitudinária (Kirkwood, 2001).
As condutas relacionadas com o estilo de vida, a capacidade para enfrentar situações adversas e uma rede de contatos sociais podem modificar a influência da carga genética no declínio funcional e no desencadeamento de enfermidades. Com a idade, algumas capacidades, como a velocidade de aprendizagem e a memória, diminuem. Vias de regra, esses declínios são desencadeados pelo desuso, por doenças (a depressão, por exemplo), por fatores comportamentais (consumo de álcool e medicamentos), por fatores psicológicos (falta de motivação, baixas expectativas
e falta de auto-confiança) e por fatores sociais (solidão e abuso), mais do que pelo envelhecimento per se (Wight et al, 2002). Os fatores psicológicos como a inteligência e a capacidade cognoscitiva são importantes preditores da esperança de vid saudável e da longevidade (Weeks e James, 1999). Aqueles que se preparam para o envelhecimento e se adaptam às mudanças, se ajustam melhor à vida nas idades mais avançadas.

DETERMINANTES DOS ENTORNOS FÍSICO E SOCIAL
Os que vivem em um entorno inseguro ou em zonas com múltiplas barreiras físicas são menos dispostos a sair, são mais propensos ao isolamento, à depressão, a ter um pior estado físico e maiores problemas de mobilidade. Para o idoso, a proximidade com membros da família, com serviços e meios de transporte, podem marcar a diferença entre a interação social positiva e o isolamento. O apoio social, as oportunidades para a educação e o aprendizado contínuo durante toda a vida, a paz e a proteção frente à violência e ao abuso, são fatores fundamentais do entorno social
que melhoram a saúde e a participação à medida que as pessoas envelhecem. Ao contrário, a solidão, o isolamento social, o analfabetismo, a falta de educação, o abuso e a exposição a situaçõesde conflito aumentam enormemente os riscos de incapacitação e morte prematura entre as pessoas idosas (Demura e Sato, 2003; Avlund, 2004).
POLÍTICAS E PROGRAMAS DE ENVELHECIMENTO ATIVO
As políticas e os programas de envelhecimento ativo devem favorecer o equilíbrio da responsabilidade pessoal (o cuidado com a própria saúde e a dos membros da família), familiar e comunitária, e fomentar a solidariedade intergeracional (Jönsson,
2003). As pessoas e as famílias necessitam planejar sua velhice e prepararem-se para ela, esforçandose para levarem a cabo práticas de saúde positivas em todas as etapas da vida. Como uma conseqüência de mudança nas atitudes diante do processo de envelhecimento, pode-se esperar que as pessoas, ao permanecerem sãs enquanto envelhecem, tenham menos impedimentos para continuar trabalhando. Isto ajudaria a
lidar com os inevitáveis aumentos do custo da seguridade social, com gastos de assistência médica e social. No que diz respeito ao aumento de gastos públicos com assistência médica, os dados disponíveis indicam cada vez mais que a velhice, em si
mesma, não é a responsável. O que onera é a incapacidade e o mau estado de saúde, com freqüência associados ao avanço da idade. À medida que as pessoas envelhecem, as enfermidades não transmissíveis (ENT) se convertem nas principais causas de morbidade, incapacidade e mortalidade em todas as regiões do mundo. Embora, muitas ENT possam ser prevenidas ou retardadas, a falta de ações
concretas produz enormes custos humanos e sociais, absorvendo uma quantidade de recursos que poderiam ser usados para fazer frente a outras necessidades da sociedade (WHO, 1999). Em 1980, o “The New England Journal of Medicine” publicou um artigo da autoria de James Fries, intitulado: “Envelhecimento, morte natural e a compressão da morbidade”, onde o autor afirmava que o envelhecimento de uma população é proporcionalmente acompanhado de um aumento na incidência de incapacidades e redução funcional. O mesmo já aventava a hipótese de que, desde que sejam efetivadas ações nesse sentido, na proporção que se retangularize a curva de sobrevivência será possível se retangularizar também a curva de morbidade, que é a representação gráfica da relação idade/doenças crônicas. Em outras palavras, o cidadão de uma sociedade avançada poderá sobreviver até bem mais tarde com vigor, mantendo sua independência funcional e comprimindo a morbidade e a incapacidade a um período relativamente curto antes de sua morte, para depois dos 85 anos (Campion, 1998).
Em outro artigo publicado no mesmo periódico, dezoito anos mais tarde, um grupo de proeminentes especialistas, capitaneados por Anthony J. Vita (1998), apresentou dados de 1741 ex-alunos da Universidade da Pensilvânia, nascidos entre 1913 e 1925, obtidos através de um estudo prospectivo que cobriu um período de 32 anos,
de onde se concluiu que o baixo padrão de atividades físicas, juntamente com o tabagismo e IMC elevado, na vida adulta jovem e na meia-idade, são indicadores confiáveis de alto risco para incapacidades na velhice. As pessoas com melhores
níveis desses indicadores não só vivem mais, como também adiam e comprimem as incapacidades para poucos anos ao final da vida. Muito embora o timing e a incidência de incapacidade física entre os mais idosos não estejam muito bem documentados
na literatura, estima-se que 25% das pessoas de 65 a 74 anos já sejam portadoras de
alguma incapacidade física. Essa proporção cresce para aproximadamente 40% dos que têm entre 75 e 84 anos, e para mais da metade daqueles com 85 e mais (Goldani, 1992). Portanto, em se tratando de indivíduos mais idosos, os médicos deveriam dar menos importância aos dados de laboratórios e mais atenção a como os seus pacientes estariam realizando suas atividades da vida diária. É sabido que, mesmo
nas idades muito avançadas, pode-se incrementar a funcionalidade e reduzir consideravelmente os gastos médicos com programas de exercícios físicos (Campion, 1998; OMS, 2002). Intervenção que, além dos óbvios efeitos orgânicos, também
melhora a saúde mental e favorece os contatos sociais. Apesar de tudo, uma grande proporção de pessoas nessa faixa etária leva uma vida absolutamente
sedentária na maioria dos países. Uma medida objetiva da condição funcional pode ser obtida através de indicadores de aptidão física. Alguns desses, como flexibilidade
(amplitude de movimento), aptidão muscular (força, potência, resistência e elasticidade muscular), agilidade, equilíbrio e potência aeróbia (capacidade cardiorrespiratória) têm um maior poder preditivo para riscos de morbi-mortalidade e incapacidade (Rikli e Jones, 1997), isto é, relacionam- se com a esperança de vida saudável. Em um estudo conduzido por pesquisadores da Universidade de Pernambuco, vem se avaliando a aptidão física funcional da população idosa pernambucana desde 2002. Embora o mesmo ainda se encontre na fase de coleta, já podem ser feitas algumas constatações importantes. Pelas referências especializadas, considera-se como baixo desempenho valores abaixo do percentil 25, o que é uma estimativa de riscos aumentados para
incapacitação e morbi-mortalidade (Fiatarone e Evans, 1993; Guralnik et al, 1994; Phillips e Haskel, 1995; Shephard, 1997; Morey, 1998; Shinkai et al, 2000; Wilson e Tanaka, 2000; Amundsen, 2001; Skelton, 2001; Damush et al, 2002).
Em uma análise preliminar, pode-se perceber que nossas idosas apresentam baixos desempenhos em agilidade e equilíbrio dinâmico (30,7%) e em capacidade cardiorrespiratória (47,2%), além de uma elevada incidência de sobrepeso/obesidade
(70,5%). Esse é um quadro sugestivo de risco aumentado para doenças cardiovasculares e metabólicas e de quedas. Entre os homens, destacamse os baixos desempenhos em flexibilidade de hemicorpo superior (35,3 %), em aptidão muscular
de hemicorpo superior (39,2 %), em agilidade e equilíbrio dinâmico (31,4 %) e em capacidade cardiorrespiratória (29,4 %). Nesse subgrupo, também se encontrou uma incidência relativamente alta de sobrepeso/obesidade (47,6 %). Essa é uma conjunção favorável para doenças cardiovasculares e metabólicas, quedas e dificuldades no desempenho das atividades da vida diária. Considerando que as populações de todo o
mundo estão vivendo cada vez mais por mais tempo, urgem políticas e programas que contribuam efetivamente para prevenir e reduzir a carga da incapacidade na velhice, particularmente nos países em vias de desenvolvimento, onde a escassez de ações por parte dos gestores públicos, da sociedade como um todo e dos próprios indivíduos beira a irresponsabilidade. Os responsáveis políticos necessitam ter uma visão de longo prazo e considerar a economia conseguida graças à redução da taxa de
incapacidade relativa ao envelhecimento. Nos EEUU, onde se investe nesse sentido, espera-se reduzir o gasto médico em cerca de 20 por cento, nos próximos
50 anos (Cutler, 2001). Lá, estima-se que para cada dólar investido na promoção de oportunidades para prática de atividades físicas resulte uma economia de 3,2 dólares em gastos médicos (CDC, 1999). Particularmente no âmbito da saúde, há muito já se sabe do impacto que as medidas preventivas têm sobre seus indicadores. Em função disso, a Escola Superior de Educação Física da Universidade de Pernambuco implantou em 1997, em parceria com a Secretaria de Saúde da Cidade do Recife, o
Programa Exercício e Saúde, que levou a prática orientada de exercícios físicos, orientação nutricional e aconselhamento médico para as praças públicas. O mesmo serviu de modelo para o atual Programa Academia da Cidade, que vem expandindo sua atuação para várias áreas da cidade. Eis um exemplo bem sucedido de como se
transformar intenção em ação concreta. Embora, na imensa maioria dos centros urbanos as políticas e os programas devam proporcionar oportunidades para que as pessoas tornemse mais ativas, muitas delas estão submetidas a trabalhos físicos extenuantes que podem acelerar as incapacidades, causar lesões e agravar as condições prévias, especialmente à medida que se envelhece. Nesses casos, as ações devem atuar no sentido da compensação e da prevenção aos males dos esforços abusivos. Portanto, as proposições devem ser implementadas levando-se em
conta as necessidades e características sociais e culturais de cada comunidade. As determinantes atitudinais, como a adoção de estilos de vida saudáveis e o autocuidado, são importantes em todas as etapas do curso vital. Um dos mitos sobre o envelhecimento gira em torno da idéia que na velhice já é demasiado tarde
para adotar um estilo de vida saudável. Muito ao contrário, praticar atividade física adequada e regular, cultivar as relações sociais, alimentar-se de maneira saudável, não fumar e consumir prudentemente bebida alcoólica e medicamentos pode evitar o declínio funcional e a incapacidade, concorrendo efetivamente para aumentar a longevidade e melhorar a qualidade de vida.

CONSIDERAÇÕES FINAIS
Possivelmente o que mais se teme é que o rápido envelhecimento da população produza uma explosão na assistência sanitária e nos custos da seguridade social que escape a qualquer controle. Embora não haja dúvidas de que as populações ções ao envelhecerem aumentarão suas demandas nestes âmbitos, também existem evidências de que a inovação, a cooperação entre todos os setores e o planejamento antecipado permitirão às sociedades lidar exitosamente com esse novo panorama social e político (OMS, 2002). Seria bem mais útil, ao tomar decisões, pensar na capacitação em lugar da incapacitação. Muitos setores podem contribuir com ações que permitam a formação de novas atitudes inclusivas, tanto individuais como coletivas.
Abaixo estão alguns exemplos de programas, entornos e políticas que capacitam os mais velhos a um efetivo convívio na sua comunidade:
• Ambientes de trabalho sem obstáculos ou com adaptações, horários e jornadas de trabalho flexíveis.
• Vias públicas bem iluminadas com calçadas planas e bem conservadas, banheiros públicos acessíveis e semáforos que dêem mais tempo para os idosos atravessarem as ruas.
• Programas públicos de exercício e reabilitação que ajudem ao envelhecente manter ou recuperar sua aptidão física.
• Programas de alfabetização e de formação continuada durante toda a vida.
• Programas de acesso a tecnologias assistivas auditiva, visual e locomotora.
• Efetivação dos princípios da acessibilidade universal em prédios e logradouros.
• Planos de créditos e acesso a oportunidades de negócios.
• Políticas de apoio aos cuidadores de idosos, especialmente àqueles que prestam serviços informais e voluntários (em todo o mundo são os membros da família, os amigos e vizinhos que proporcionam a maior parte do apoio e dos cuidados
aos adultos de idade avançada necessitados de ajuda) (OMS, 2002; Jönsson, 2003).
Pode-se concluir, portanto, que com pragmatismo e sensatez na provisão de recursos, as sociedades com determinação de planejar e agir podem se permitir envelhecer sem sobressaltos. Porém, quaisquer que sejam as formas de ação, serão de pouca utilidade se não atingirem a sociedade na sua totalidade e se não forem permanentes. É preciso tomar iniciativas para se alcançar o objetivo de que as pessoas envelheçam preservando sua dignidade e sigam sendo capazes para uma vida independente e produtiva, e não se transformem num estorvo ou uma ameaça para as gerações mais jovens.



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ENVELHECIMENTO ATIVO E PROMOÇÃO DA SAÚDE: REFLEXÃO PARA AS AÇÕES EDUCATIVAS COM IDOSOS

Aging Actively and Health promotion: a reflection on educational activities with the elderly
Mônica de Assis *

Resumo
O artigo aborda duas temáticas emergentes e estratégicas da política de saúde em nível mundial: o envelhecimento saudável ou ativo e sua interface com o referencial conceitual contemporâneo da promoção da saúde. Com base nesse debate, suscitado no processo de avaliação de uma experiência desenvolvida em um serviço ambulatorial de saúde, apresenta uma reflexão para as ações educativas com idosos, à luz de princípios da Educação Popular em Saúde. A argumentação proposta é que a abordagem do autocuidado pode potencializar a participação política, na medida em que busque integrar dimensões objetivas e subjetivas da saúde, politizando seus determinantes sociais e partilhando com os idosos suas formas de compreensão e resistência, suas dificuldades e potencialidades no lidar com a saúde e cidadania no processo de envelhecimento.

Palavras-chave:
Envelhecimento da População; Promoção da Saúde; Educação em Saúde; Autocuidado;
Qualidade de Vida.

Introdução
A atenção para as questões de saúde no envelhecimento tem crescido nas últimas décadas em virtude do aumento da longevidade da população mundial, sem precedente na história. Em todo mundo, e especialmente nos países periféricos marcados por acentuada pobreza e desigualdades, a busca de qualidade de vida dos idosos emerge como desafio por ser o horizontea partir do qual se poderá considerar os ganhos na expectativa de vida como valiosa conquista humana e social.
A longevidade com qualidade de vida é um ideal convergente com premissas da
promoção da saúde, uma idéia antiga na saúde pública que, nas últimas duas décadas, tem sido apontada como estratégia mais ampla e apropriada para enfrentar os problemas de saúde do mundo contemporâneo (TERRIS, 1996). O conceito emerge como paradigma para as políticas públicas no sentido de ampliar o foco de atenção para dimensões positivas da saúde, além do controle de doenças.
A reflexão proposta neste artigo articula o debate conceitual sobre promoção da saúde do envelhecimento a uma perspectiva para as ações educativas com idosos, tendo por referência a experiência da autora no desenvolvimento e na avaliação do projeto de promoção da saúde, realizado há nove anos pela equipe interdisciplinar do ambulatório Núcleo de Atenção ao Idoso, unidade docente-assistencial do Hospital Universitário Pedro Ernesto, vinculada à Universidade Aberta da Terceira Idade (UnATI), da UERJ. O projeto consiste de duas linhas de ação integradas: o grupo Encontros com a Saúde, que reúne idosos ao longo de três meses para a discussão de temas relacionados à saúde no envelhecimento; e a Avaliação Multidimensional de Saúde e Qualidade de Vida, instrumento de pesquisa e de ação educativa em nível individual, aplicada paralelamente ao grupos. A estratégia é desenvolver modelos que possam ser implantados nos serviços de saúde e em outros espaços da sociedade, em resposta às demandas sociais geradas
pelo envelhecimento populacional brasileiro.
A ação educativa no projeto orienta-se por princípios da Educação Popular em Saúde e
seu horizonte é ampliar espaços de debate que estimulem os idosos a pensar a relação corpo/vida e a atuar na direção de integrar o fazer individual e coletivo que envolve a saúde. Acredita-se que tal ótica possibilita operar com uma visão integradora da promoção da saúde, que articule a abordagem do auto-cuidado às necessidades sociais e ao fomento da participação popular na viabilização dos direitos de cidadania (ASSIS, 2004). Assumindo este pressuposto, o texto pretende oferecer uma contribuição acerca do sentido ético-político das ações educativas com idosos, cada vez mais oportunas no cenário nacional, especialmente no nível da atenção primária à saúde.

1. Saúde do idoso e envelhecimento ativo
O envelhecimento humano é um processo universal, progressivo e gradual. Trata-se de
uma experiência diversificada entre os indivíduos, para a qual concorre uma multiplicidade de fatores de ordem genética, biológica, social, ambiental, psicológica e cultural. Não há uma correspondência linear entre idade cronológica e idade biológica. A variabilidade individual e os ritmos diferenciados de envelhecimento tendem a acentuar-se conforme as oportunidades e constrangimentos vigentes sob dadas condições sociais (FERRARI, 1999).
Considerando velhice e envelhecimento como realidades heterogêneas, Néri e Cachioni
(1999) afirmam as possíveis variações em sua concepção e vivência conforme tempos históricos, culturas, classes sociais, histórias pessoais, condições educacionais, estilos de vida, gêneros, profissões e etnias, dentre outros. Ressaltam a importância de compreender tais processos como acúmulo de fatos anteriores, em permanente interação com múltiplas dimensões do viver.
A observação de padrões diferenciados de envelhecimento e a busca por compreender os determinantes da longevidade com qualidade de vida têm motivado estudos na linha de compreensão do que constituiria o bom envelhecer. Na revisão de Néri e Cachioni (1999) são apresentadas possíveis classificações acerca de padrões de velhice e admite-se que nenhuma é isenta de limitações e confusões. A primeira delas considera velhice normal como aquela caracterizada por perdas e alterações biológicas, psicológicas e sociais próprias à velhice, mas sem patologias; velhice ótima seria a possibilidade de sustentar um padrão comparável ao de indivíduos mais jovens; e velhice patológica corresponderia à presença de síndromes típicas da velhice ou do agravamento de doenças preexistentes (BALTES; BALTES, 1990, apud NÉRI; CACHIONI, 1999).
Em outra ordenação, envelhecimento primário ou normal é identificado com as mudanças irreversíveis, progressivas e universais, porém não patológicas; envelhecimento secundário corresponderia às mudanças causadas por doenças relacionadas à idade por fatores intrínsecos e extrínsecos; e envelhecimento terciário equivaleria ao declínio terminal na velhice avançada.
Dentre as questões que cercam o envelhecimento, a saúde aparece como elemento
balizador pelo seu forte impacto sobre a qualidade de vida, constituindo-se como uma das principais fontes de estigmas e preconceitos em relação à velhice. A representação negativa, normalmente associada ao envelhecimento, tem como um de seus pilares o declínio biológico, ocasionalmente acompanhado de doenças e dificuldades funcionais com o avançar da idade. Conforme Scrutton (1992), no imaginário popular de saúde na idade avançada, reforçado pela própria medicina, velhice é associada com crescente mal-estar, doença e dependência, aceitas como características normais e inevitáveis desta fase.
Em que pese o desgaste dos anos, o declínio fisiológico na velhice não determina inevitavelmente doença e incapacidade, pois o organismo trabalha com níveis de reserva e superávit (LAZAETA, 1994). Além disso, como afirma a autora, é possível controlar problemas de saúde comuns nessa etapa através de assistência adequada, possibilitando ao idoso conviver com eventuais limitações ou doenças, preservando uma perspectiva de vida pessoal e social.
A distinção entre velhice e patologia e a possibilidade de reduzir incapacidades em idosos, através da provisão de serviços de saúde e de bens essenciais à vida, foi afirmada no Brasil, nos anos 90, na Declaração de Brasília sobre Envelhecimento:

O envelhecimento é um processo normal, dinâmico, e não uma doença. Enquanto o envelhecimento é um processo inevitável e irreversível, as condições crônicas e incapacitantes que freqüentemente acompanham o envelhecimento podem ser prevenidas ou retardadas, não só por intervenções médicas, mas também por intervenções sociais, econômicas e ambientais. (BRASIL, 1996, p.1)

A prevenção e controle de processos patológicos são eixos fundamentais na velhice, mas relacionam-se organicamente a outras dimensões do viver que potencializem condições de satisfação das necessidades básicas e sentimento de realização. Nessa linha emergem as reflexões sobre o “bom envelhecimento”, como forma de reação à associação entre velhice e inatividade. Conforme Rowe e Kahn (1997), nos anos 90, o termo envelhecimento bem-sucedido se populariza, no campo gerontológico, no sentido de identificar estratégias que incrementem a proporção da população idosa que envelhece bem. Os autores propõem que envelhecimento bem-sucedido engloba três componentes principais: baixa probabilidade de doença e incapacidade, alta capacidade funcional física e cognitiva e engajamento ativo com a vida.
Nesta definição, envelhecimento bem-sucedido é mais que ausência de doença e
manutenção da capacidade funcional. Ambas são importantes, mas é a sua combinação com o engajamento ativo com a vida que melhor representaria o conceito. Como exemplificam os autores, capacidades cognitivas e físicas são potenciais para atividade, pois dizem o que uma pessoa pode fazer e não o que ela faz. A concepção proposta vai além do potencial e envolve atividade, seja no plano das relações interpessoais, que “envolve contatos e transações com outros, intercâmbio de informação, suporte emocional e assistência direta”, seja no âmbito de uma atividade produtiva, considerada de modo abrangente como aquela que cria valor societal, mesmo não reembolsada em termos econômicos (ROWE; KAHN, 1997, p.433).
No lastro desta discussão emerge o conceito de envelhecimento ativo, adotado pela
Organização Mundial de Saúde, nos anos 90. Envelhecimento ativo é definido como “o processo de otimizar oportunidades para saúde, participação e segurança de modo a realçar a qualidade de vida na medida em que as pessoas envelhecem” (WHO, 2002). O conceito pretende transmitir uma mensagem mais inclusiva do que o termo “envelhecimento saudável”, já que considera participação como engajamento continuado na vida, mesmo que eventualmente limitado ao espaço doméstico ou coexistente com algum nível de incapacidade. Não se restringe, portanto, à
habilidade para manter-se fisicamente ativo ou inserido na força de trabalho. É reconhecida a influência de um conjunto de determinantes que interagem continuamente para o envelhecimento ativo (econômicos, comportamentais, pessoais, relacionados ao meio ambiente físico, social e aos serviços sociais e de saúde), transversalmente influenciados por aspectos relativos a gênero e cultura. As políticas devem articular ações intersetoriais voltadas a esses determinantes.
A manutenção da saúde e autonomia na velhice, identificada como boa qualidade de vida física, mental e social, é o horizonte desejável para se preservar o potencial de realização e desenvolvimento nesta fase da vida. É também a perspectiva necessária para reduzir o impacto social que cerca as questões extremamente complexas e delicadas relativas ao cuidado ao idoso dependente. Por essas e outras motivações demográficas e socioeconômicas, a promoção da saúde tem sido destacada no eixo das políticas contemporâneas na área do envelhecimento.
Em anos recentes, a promoção do envelhecimento saudável foi assumida como propósito basilar da Política Nacional de Saúde do Idoso no Brasil (GORDILHO et al., 2000). O sentido da promoção da saúde neste documento é, contudo, principalmente comportamental e compreende:
[...] o desenvolvimento de ações que orientem os idosos e os indivíduos em processo de envelhecimento quanto à importância da melhoria constante de suas habilidades funcionais, mediante a adoção precoce de hábitos saudáveis de vida e a eliminação de comportamentos nocivos à saúde. (GORDILHO et al. 2000, p.27).

Os hábitos saudáveis incluem: alimentação balanceada, prática regular de exercícios
físicos, convivência social estimulante, atividade ocupacional prazerosa e mecanismos de atenuação do estresse. Tabagismo, alcoolismo, auto-medicação são os hábitos nocivos a serem desestimulados. É ressaltada a importância de processos informativos e educativos continuados no SUS e campanhas para estimular comportamentos saudáveis.
O enfoque comportamental é um ponto de inflexão que carreia boa parte das
ambigüidades e polêmicas sobre o que é ou deve ser a promoção da saúde. Intenso debate tem internacionalmente caracterizado este campo que, segundo Rootman et al. (2001), está longe de ser monolítico e é cheio de tensões mal resolvidas. Delinear uma posição neste contexto é ponto de partida necessário ao desenvolvimento de ações educativas em saúde com idosos.

2 Pontuações históricas e conceituais da promoção da saúde
O desenvolvimento conceitual contemporâneo da Promoção da Saúde tem como marco o Informe Lalonde, documento de reorientação da política de saúde do Canadá, lançado em 1974.
Com base no conceito de campo da saúde (biologia humana, meio ambiente, estilo de vida e organização da atenção sanitária), o documento estabeleceu a discussão sobre os limites do investimento crescente com assistência médica para melhorar a saúde da população (TERRIS,1996).
Nos anos 80, a OMS definiu a promoção da saúde “[...] como el proceso que permite a
las personas adquirir mayor control sobre su propria salud y, al mismo tiempo, mejorar esa salud.”, definição posteriormente consagrada na Carta de Otawa, resultante da 1ª Conferência Internacional de Promoção da Saúde, em 1986 (KICKBUSCH, 1996a, p.16).
Na mesma linha de precursores do conceito, a Carta de Otawa consagra o sentido de
saúde como bem-estar amplamente definido, para o qual são pré-requisitos: alimento, abrigo, paz, renda, ecossistema estável, uso ininterrupto de recursos, justiça social e eqüidade. A visão ampliada dos recursos fundamentais à saúde e sua aproximação à temática da qualidade de vida fomentou uma concepção mais abrangente de intervenção em saúde, para além das clássicas ações assistenciais e preventivas de cunho individual. Os campos da Promoção da Saúde são assim definidos como estratégias que englobariam todos os seus determinantes. Segundo Buss (2003, p.26), podem ser assim sintetizados:

1- Políticas públicas saudáveis: reconhecimento que decisões políticas têm influênciasfavoráveis ou desfavoráveis sobre a saúde e que esta deve ser priorizada como critério de governo; importância das ações intersetoriais que apontem para maior eqüidade.

2- Criação de ambientes favoráveis à saúde: reconhecimento da complexidade de nossas sociedades e da interdependência entre diversos setores. Proteção do meio ambiente e acompanhamento dos impactos das mudanças sobre a saúde. Conquista de ambientes favoráveis à saúde (trabalho, lazer, escola, cidade, etc.).

3- Reforço da ação comunitária (incremento do poder técnico e político das comunidades): empowerment como resultado do acesso contínuo à informação e às oportunidades de aprendizagem sobre as questões de saúde por parte da população; possibilidade de atuação na definição de prioridades, tomada de decisões e implementação de estratégias para alcançar melhor nível de saúde.

4- Desenvolvimento de habilidades pessoais favoráveis à saúde em todas as fases da vida: resgate da Educação em Saúde como responsabilidade das diversas organizações. É também relacionado ao empowerment, no plano individual, como processo de capacitação e consciência política.

5- Reorientação dos serviços de saúde: avanço além da assistência; impõe a superação do modelo biomédico, centrado na doença como fenômeno individual e na assistência médicocurativa como foco essencial da intervenção. Implica transformações profundas na organização e financiamento dos sistemas, assim como nas práticas e na formação dos profissionais.

O ponto sobre as políticas públicas saudáveis é considerado um diferencial em relação ao entendimento prévio de Promoção da Saúde, mais associado à correção de comportamentos. A categorização de Sutherland e Fulton, apresentada por Buss (2003), divide as conceituações de promoção da saúde entre aquelas mais voltadas ao comportamento individual (promoção de hábitos saudáveis), e outras mais voltadas ao coletivo (políticas públicas e fortalecimento do poder político da população). No debate sobre que ações devem ser consideradas promoção da saúde, haveria certa hierarquização das iniciativas: as mais abrangentes corresponderiam à “promoção da saúde moderna” (ou “nova saúde pública”), em contraste com o enfoque da prevenção, orientado para mudanças comportamentais ou relativas ao estilo de vida.
A tensão entre o acento na dimensão individual ou coletiva da intervenção em saúde tem relação com aspectos históricos na constituição do campo, o qual tem como uma de suas fontes impulsionadoras os limites do enfoque tradicional da Educação em Saúde. Para Kickbusch (1996a), a promoção da saúde surgiu da Educação para a Saúde, em um processo que evoluiu de acordo com a ênfase dada às ações ao longo da história da saúde pública. Segundo a autora, atualmente, a perspectiva baseia-se numa visão integrada e ecológica da saúde pública, na qual não há separação entre o indivíduo e o meio, considerados como um todo. Reforça-se a responsabilidade social da saúde e a necessidade de “marcar metas para la acción política y no solo para el comportamiento individual.” O objetivo seria a criação de um “clima favorável à saúde”, viabilizado através do restabelecimento dos laços existentes entre saúde e bem-estar social, entre a qualidade de vida coletiva e individual (KICHBUSCH, 1996a, p. 24).
Em sentido semelhante, Terris (1986, p.43) sustenta que a Carta de Otawa se destaca por ser uma síntese dos enfoques em Promoção da Saúde. A visão de integração entre a
responsabilidade coletiva e individual é presente ao afirmar que a promoção da saúde
“transcende a idéia de formas de vida sãs” para incluir as condições e requisitos para a saúde, anteriormente citados. O autor destaca também a recusa do enfoque educativo tradicional, no qual a população é receptora passiva das mensagens, em contraposição à busca de sua participação ativa e do fortalecimento da ação comunitária.
Além da limitada efetividade das estratégias educativas em saúde, Rootman et al. (2000 e 2001) apontam outras fontes do interesse pela Promoção da Saúde, tais como: reconhecimento da natureza holística da saúde (qualidade de vida social, mental e espiritual); influência dos movimentos de autocuidado e de mulheres, os quais requerem uma mudança na distribuição de poder para indivíduos e comunidades; emergência do conceito de consumidor de cuidados de saúde e políticas; iniciativas comunitárias de participação; reconhecimento de que diversos problemas de saúde são interrelacionados com estilos de vida e que “estes estilos de vida não ocorrem em um vácuo, mas têm, eles próprios, potentes determinantes sócio-econômicos e culturais.” (ROOTMAN et al., 2000, p.6); pressão para diminuir custos de programas sociais e de cuidados; evidência crescente da fraca relação entre cuidado de saúde e status de saúde, especialmente o pobre retorno dos crescentes custos investidos em assistência médica; pesquisa social, educacional e comportamental sobre questões de saúde e evidência da influência de fatores sociais na pesquisa epidemiológica.
A confluência de forças distintas e as contradições aí implicadas vem dando margem a
um significativo debate sobre questões relativas às práticas e aos próprios fundamentos da Promoção da Saúde (BUNTON et al.,1999). Uma das críticas refere-se aos interesses
econômicos subjacentes, seja pela redução de custos com o sistema de saúde, alinhada ao ideário neoliberal contemporâneo, seja pela expansiva apropriação mercadológica do produto “saúde”, muitas vezes produzindo novas dependências de serviços e reafirmando apreensões reducionistas da saúde, centradas no desempenho corporal. Dentre outros aspectos apontados destacam-se os limites do conhecimento científico que informa a Promoção da Saúde (problematização sobre o “risco”), a distância entre retórica e realidade (discurso global e ações pontuais), a imposição de valores culturais, a utopia da saúde perfeita e o neohigienismo (CASTIEL, 1999; NOGUEIRA, 2001; CARVALHO, 2004).
Diante da densidade do debate, cuja apreciação mais profunda extrapola os limites deste
trabalho, pode-se demarcar que a saúde não deve ser vista como um objetivo em si mesmo, mas base da vida cotidiana, instrumento para realização de aspirações e sentimento de satisfação no curso de vida. A utopia, longe de ser a “saúde perfeita” e o culto ao corpo encerrado em propósitos estéticos, individualistas e mercadológicos, é preservar a capacidade de lidar bem com a vida, mesmo na velhice e na presença de doenças e limitações.
A possibilidade de imprimir, de fato, uma direção inovadora ao campo passa pelo
compromisso dos agentes com uma prática libertadora, o que toca especialmente a forma como se apreende e se conduz as ações educativas em saúde. Na visão de Mello (2000, p.114): “A prática com promoção da saúde deve estar alinhada a uma pedagogia dialógica, crítica, reflexiva e problematizadora, bem como em acordo com os princípios da filosofia Freiriana.” É esta a perspectiva a seguir apontada.

3 Ações educativas em saúde com idosos na perspectiva da Educação Popular
A idéia de uma ação mais ampla e crítica na abordagem da Educação em Saúde
comprometida com eqüidade e justiça social tem sido a linha adotada no Brasil por profissionais que se identificam com a Educação Popular em Saúde.
Os princípios teórico-metodológicos da área têm raízes nas concepções pedagógicas de Paulo Freire e podem ser elencados sinteticamente como: concepção de saúde como qualidade de vida; valorização da cultura popular e de sua interação com o saber técnico-científico; estímulo ao diálogo e a processos reflexivos; priorização de metodologias participativas; opção filosóficopolítica pela não-opressão; compromisso com justiça social e o fortalecimento dos movimentos sociais; humanização, afetividade e prática voltada à afirmação dos sujeitos. Tais princípios questionam a Educação em Saúde tradicional, limitada ao repasse de informações técnicas, de maneira verticalizada e desvinculada das condições de vida da população (VASCONCELOS, 2001).
Na linha expressa em trabalho anterior as ações educativas em promoção da saúde com
idosos devem favorecer a reflexão sobre o envelhecimento em suas múltiplas determinações e estimular o investimento desejante e participativo na vida (ASSIS et al., 2002).
A partir da construção de encontros, espaços que vinculem afetivamente as pessoas e valorizem suas trajetórias de vida e seus saberes, busca-se garantir o direito à informação e ao debate sobre
temas que articulem saúde e cidadania. São eixos temáticos: a dimensão positiva da saúde, a prevenção e o controle de doenças e agravos comuns, os direitos sociais dos idosos. A pretensão é que tais eixos possam ser estratégicos na capacitação e na promoção da autonomia dos idosos para neles potencializar a condição de sujeito político na luta pela dignidade do envelhecer.
Considerando que a dimensão educativa é transversal às relações assistenciais na saúde, a referência de atuação assumida pela Educação Popular volta-se não apenas para ações
propriamente educativas ou coletivas, mas sugere uma redefinição da postura dos profissionais na relação com a população usuária. Seja na rotina de atendimentos ou de grupos com idosos, o sentido educativo sugerido como consonante ao ideário da promoção da saúde requer que as práticas possam lidar de forma problematizadora e cuidadosa com as informações e o autocuidado em saúde, buscando articulá-los ao coletivo e à participação. Em certa medida, isto pode ser o diferencial para que as práticas não se encerrem no que Carvalho (2004) apontou como empowerment psicológico, ou senso de controle sobre a própria vida encerrado na autoestima
e em estratégias de solidariedade, mas que, incorporando esta experiência, avancem ao
empowerment comunitário, ou qualificação da ação política dos indivíduos e coletivos para intervenção sobre a realidade, também em nível macroestrutural. Nessa vertente, cabem algumas reflexões sobre autocuidado e participação.

a) Autocuidado em saúde: o sujeito além do risco
No marco da promoção da saúde, autocuidado tem sido compreendido como dimensão
individual não dissociada do contexto social e como medida de autonomia e menor dependência do sistema médico e de cuidados (DOWNIE et al., 1997).
No trabalho de Kickbusch (1996b, p.238), autocuidado é entendido como “o conjunto de medidas que tomam as pessoas para melhorar sua própria saúde e bem-estar no seio de suas atividades cotidianas.” Para a autora, autocuidado deve ser visto como comportamento social ativo dentro de uma nova perspectiva de saúde pública. Refere-se à adição de competência e habilidade do ser humano, como parte de um “projeto social” que tem como marco a investigação sobre estilos de vida baseada no contexto e no significado e não na responsabilização individual.
Segundo Derntl (1996), o autocuidado é uma estratégia fundamental da promoção da
saúde e deve ser visto como uma das formas de expressão da autonomia. A autora retoma o sentido ético de autonomia como capacidade de autogoverno do indivíduo e alerta para sua apropriação restrita na área gerontológica, como equivalente à manutenção da capacidade funcional. Na concepção da promoção da saúde, “[...] o idoso deve decidir livremente seu estilo de vida e este padrão não é, necessariamente, aquele concebido pelos profissionais de saúde” (DERNTL, 1996, p.198). O papel da equipe é informar, orientar, apresentar alternativas e assistir.
No que tange à informação, cabe pontuar seu valor como princípio ético habitualmente
negligenciado na cultura hegemônica dos serviços de saúde. Bem cuidada, a informação facilita o estabelecimento de vínculo de confiança a partir do qual as pessoas possam ampliar seus recursos para compreender e atuar nas questões de saúde. Isso é especialmente importante na velhice pelo maior requerimento do autocuidado na monitoração de doenças crônicas, tão necessária quanto comum nessa fase.
Por outro lado, o trato da informação deve se pautar numa visão contextualizada do
conhecimento científico, consciente de seus limites e historicidade. A acentuada polaridade na saúde entre saber técnico e saber popular, como se a verdade estivesse sempre no primeiro pólo e os erros, mitos e tabus no segundo, deve ser relativizada na busca de uma interação dialógica entre os diferentes saberes, em seus méritos e limitações.
A experiência e os conhecimentos que informam a vida prática das pessoas são base para a abordagem educativa, cujo eixo metodológico deve ser criar contextos de intercomunicação favoráveis à expressão e à reflexão sobre como as pessoas lidam com a saúde/doença, as dificuldades que enfrentam e as estratégias correspondentes diante das adversidades do contextosocial. Este reconhecimento do outro é ingrediente no processo de reforço da auto-estima das pessoas, dimensão desejada tanto para repercussões no nível individual (autocuidado em saúde), como coletivo (participação social e política). O cuidado de si depende, em alguma medida, da auto valorização de cada pessoa como ser singular e como cidadão. Aqui, igualmente, em se tratando de população idosa sobre a qual recaem estigmas e preconceitos socioculturais bem
enraizados, o reforço da auto-estima configura-se como estratégia essencial do trabalho,
potencialmente capaz de reagir a estes mesmos preconceitos e contribuir para alterar
progressivamente o imaginário social de velhice.
Cabe destacar que o controle de patologias como um componente na promoção do
envelhecimento ativo pode significar também, mas não se reduz, à adesão a tratamentos médicos e remédios. Autocuidado deve ser visto primordialmente em seu potencial de desmedicalização, de recriação das necessidades de saúde e de expansão das possibilidades de resposta a elas remetida à vida e não apenas aos serviços. Por essa razão, as temáticas abordadas nas ações educativas devem ir além das doenças e fatores de risco. Envelhecimento, sexualidade, lazer, relações familiares, direitos sociais dos idosos, assim como inúmeras outras que expressem necessidades e interesses da população com a qual se trabalha, são dimensões do viver que devem ser trazidas ao debate.
A concepção mais ampla da saúde impõe também a consideração sobre valores que
influenciam a forma como os idosos encaram a vida, a morte e o envelhecimento, crucial na maneira como podem e desejam se relacionar com prevenção e autocuidado. Nas reflexões de Ayres (2000, p.5), depreende-se que a abordagem da prevenção deve se ampliar na direção do cuidado e do exercício dialógico sobre “o que sonhamos para a vida, para o bem viver”. De forma similar se encaminha a contundente crítica que Buchanan (2000, p.135) faz da forte marca positivista que orienta a promoção da saúde e as práticas educativas no contexto dos Estados Unidos. Para ele, resumidamente, ações e pesquisa nessas áreas devem abarcar mais amplamente a noção de bem-estar, o qual não é resultante direto da eliminação de fatores de risco, mas de viver uma vida de integridade, definida como “processo de atualizar um modo integrado de perceber e agir”. Nessa direção, o autor defende a utilização de estratégias metodológicas alternativas que promovam o exercício da razão prática na sociedade civil, ou seja, que
incorporem a reflexão sobre o bem e os propósitos das ações e não somente a busca da verdade, central na razão científica. Dúvidas do tipo “Por que viver mais se não há alguma coisa valorosa para viver? Por que deveria eu desistir dos meus pequenos prazeres agora?” (BUCHANAN, 2000, p.108) são exemplos de disposições pessoais em que podem esbarrar uma abordagem restrita à informação sobre riscos.
Do exposto ressalta-se a oportunidade de se estabelecer bases mais fecundas à
comunicação nas práticas de saúde e de se reconhecer nelas os sujeitos. Isto importa não apenas pela importância de valores e disposições internas no autocuidado em saúde, mas também para trazer ao debate questões sociais, políticas e econômicas que interpõem-se como barreiras ou dificuldades nesse processo. Este pode ser também um campo fértil para se chamar atenção para as necessidades sociais de saúde e a questão da participação.

b) Participação política: exercício e desafio
A participação popular como estratégia para interferência sobre determinantes da saúde
que escapam ao comportamento individual tem centralidade no discurso da promoção da saúde e é apontada como caminho na construção de políticas públicas e ambientes favoráveis à saúde. Tal como outros conceitos ambíguos em promoção da saúde, a participação popular pode ser apreendida sob diferentes perspectivas e significar somente aderência a programas institucionais e governamentais, sem assumir caráter transformador (VALLA, 1998). Na linha de uma ação política qualificada capaz de interferência concreta na realidade, constitui núcleo do conceito de “empowerment comunitário”, relacionado ao desenvolvimento crítico de indivíduos e grupos para maior controle sobre a vida em termos pessoais e coletivos (CARVALHO, 2004).
Como apontam vários autores, o aumento da proporção de idosos no mundo suscita a
questão de sua inserção em processos coletivos de defesa dos direitos de cidadania (QUEIRÓZ, 1999; DONATO; CANOAS, 1997; SPOZATI, 1999). Os idosos representam uma força proeminente na sociedade e devem ser vistos como cidadãos de pleno direito e não, sobretudo, como vulneráveis.
Avanços nesta direção podem ser vislumbrados no nível do associativismo promovido
nos espaços de sociabilidade destinados aos idosos. Na avaliação do projeto de promoção da saúde do NAI/UnATI, foi sugerido que ganhos em informação, autocuidado e apoio social, embora não tenham alcance imediato para interferir nas macro-estruturas, podem contribuir no fomento da participação popular e do controle social sobre as políticas públicas (ASSIS, 2004).
O envolvimento dos idosos em grupos que estimulem a autoconfiança, os vínculos sociais e o investimento construtivo na vida é um passo necessário, ainda que não decisivo, na contramão do individualismo e descrença que marca o cenário político brasileiro.
Argumentação similar é sustentada por ROCHA et al. (2002) ao analisarem a
participação crescente de mulheres idosas em grupos de convivência. Os autores constatam que essa experiência ainda não se traduz como “caixa de ressonância para a criação de questões públicas”, capaz de produzir efeitos sobre a política, mas sustentam que: “[...] a ocupação crescente de espaços públicos por mulheres, na chamada terceira idade, é uma forma de ampliar a sua subjetividade e que a dimensão política emancipatória desse processo tem início exatamente a partir dessa premissa”.
A inserção de idosos em atividades sociais tem sido reconhecida como valiosa para a qualidade de vida deste segmento, com repercussões positivas na saúde. Mas como os idosos percebem a necessidade de se organizarem politicamente? Além do movimento dos aposentados
que alcançou repercussão no país, e da mobilização na revisão constitucional de 1988, que outras questões os mobilizam a participar de processos coletivos pela efetivação dos direitos sociais?
Quais suas disponibilidades, possibilidades e limites quanto à participação? Se, por um lado, a avaliação da experiência citada sugere que os idosos expressam um particular desencanto com a política e a vida pública, de outro mostra igualmente a indignação deles por tudo aquilo que deveria, mas não se viabiliza como direito para o conjunto da população (ASSIS, 2004). Mesmo admitindo dificuldades neste campo, é possível ponderar que podem ser facilitadores na inserção dos idosos em processos organizativos não só o tempo, em geral mais livre, como os ganhos em termos de transcendência que o exercício da solidariedade e da luta por um bem comum pode representar na história de vida de cada um, resignificando positivamente a vivência da velhice.
Os desdobramentos nesta direção podem ser melhor conhecidos na medida em que
experiências forem avaliadas. Independente dos resultados, vale destacar de antemão a
relevância das ações educativas em saúde serem orientadas para promover o exercício da participação democrática, abrindo as instituições e o espaço assistencial ao debate público sobre saúde e qualidade de vida na ótica de uma visão problematizadora da realidade, comprometida com eqüidade e justiça social.

Considerações finais
O envelhecimento ativo é uma aspiração básica que potencializa o viver e depende, em
grande parte, de condições sociais e políticas públicas que garantam direitos básicos de cidadania e possibilitem práticas tendencialmente saudáveis, como alimentação equilibrada, atividade física, uso prazeroso do corpo, inserção social e ocupacional dotadas de significado, lazer gratificante, além do acesso a serviços assistenciais e preventivos. Trata-se de metas complexas, em torno das quais são necessários movimentos individuais e coletivos que anunciem e apontem a construção de uma nova ordem societária.
O marco referencial da promoção da saúde converge com este horizonte, mas pode,
dentre os seus riscos, significar discurso amplo e práticas estreitas pelos interesses contraditórios aglutinados neste campo. As ações educativas em saúde orientadas pela Educação Popular contribuem para uma visão integradora da promoção da saúde ao trazerem para debate a relação do Estado e das políticas públicas com as questões que envolvem a prevenção e o controle de doenças no contexto da vida cotidiana.
A promoção de práticas saudáveis, tradicionalmente objeto das ações educativas em
saúde na linha de estímulo e capacitação para o autocuidado, podem ser mobilizadoras de participação na medida em que não se reduzam a um “dever ser” para o outro e sejam tomadas como provocações que mobilizem os idosos a pensar sobre a validade dessas proposições em suas vidas e agir sobre o que favorece ou não o seu exercício, em termos pessoais e sociais. A abordagem do autocuidado deve, portanto, basear-se no esforço de integrar dimensões objetivas e subjetivas e abrir-se à expressão dos idosos, do seu universo de resistências, possibilitando aos profissionais reconhecer suas expressões culturais, seus ganhos e dificuldades no lidar com a saúde no processo de envelhecimento.
A dimensão comportamental é parte do espectro de determinantes da promoção da saúde no envelhecimento e deve ser contemplada criticamente na prática dos profissionais de saúde, ao concebê-la em sua historicidade e articulação ao contexto socioeconômico, cultural, político e ideológico. A abordagem sobre as condições de vida dos idosos, especialmente quanto ao acesso aos direitos sociais assegurados na política nacional para este segmento (BRASIL, 1996), implica ganho mútuo na medida em que os profissionais também lidam com seu próprio envelhecimento e enfrentam, em níveis variados, barreiras ao investimento em saúde no dia-adia.
Ao privilegiar a interação entre as perspectiva técnica e popular, a relação educativa abre oportunidades ricas de aprendizado e crescimento de todos os envolvidos, permitindo aos profissionais reverem conceitos e valores arraigados na cultura profissional. Na linha de argumentação proposta, a informação foi assumida em seu valor e limite, uma vez priorizadas a interação com outros saberes e a valorização dos sujeitos. Atualmente a mídia abarca a difusão de informações em saúde com recursos tecnológicos bem mais sofisticados do que aqueles disponíveis nos serviços, cabendo a estes diferenciarem-se na forma como tratam as informações em sua complexidade e, sobretudo, na maneira de dialogar com as pessoas à luz da realidade em que vivem. Esta esfera cognitiva não é, porém, o único eixo das ações educativas. Outros temas não priorizados neste artigo, como o envolvimento do corpo em dinâmicas de grupo, a criatividade, os vínculos e as redes sociais, e a percepção sobre a finitude de vida são extremamente relevantes no trabalho educativo com idosos e devem ser objeto de
reflexões futuras. As ações educativas em saúde não determinam diretamente a interferência nos determinantes sociais do envelhecimento ativo, produzindo ambientes e políticas públicas favoráveis à saúde, mas podem oferecer contribuição significativa ao expressarem vivamente o compromisso social do sistema de cuidados e partilharem com os idosos os desafios nesta direção. Ao enfatizar a participação e oportunizar seu exercício, elas vislumbram um “abrir portas” ao pensamento criativo sobre a vida e ao desejo de atuar na construção de outras realidades possíveis, mais propícias à qualidade de vida no envelhecimento.

























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Submissão: jan. 2005
Aprovação: maio 2005