terça-feira, 16 de junho de 2009

Envelhecimento bem-sucedido: uma meta no curso da vida

Ilka Nicéia D’Aquino Oliveira Teixeira e Anita Liberalesso Neri
Resumo: Não há definição consensual de envelhecimento bem-sucedido. Os termos envelhecimento ativo, robusto e bem-sucedido são usados de maneira indiscriminada para explicar o processo de envelhecer bem. O objetivo deste artigo é discutir o significado de envelhecimento bem-sucedido, enfatizando que a subjetividade do conceito está relacionada à individualidade e às diferenças socioculturais. A longevidade não deve ser o único componente para avaliar o envelhecimento bem-sucedido. Envelhecer bem envolve múltiplos fatores, incluindo individuais, psicológicos, biológicos e sociais. A conclusão é que o bem-estar subjetivo é o componente mais importante para avaliar o “sucesso”. O envelhecimento bem-sucedido assemelha-se a um princípio organizacional que pode ser alcançado estabelecendo-se metas pessoais realistas no curso de vida.
Palavras-chave: Envelhecimento. Longevidade. Qualidade de vida. Saúde do idoso

Introdução
Na sociedade ocidental, a busca pelo significado de envelhecimento bem-su¬cedido começou em 1944, ano em que o American Social Science Research Council estabeleceu o Committee on Social Adjustment to Old Age (Torres, 1999). Além de iniciar a discussão sobre a definição do conceito, o trabalho realizado por esse comitê resultou no desenvolvimento de instrumentos de medidas que correlacionaram obem-estar subjetivo aos fatores autonomia, bem-estar psicológico, estraté¬gias de enfrentamento e geratividade.
Como um conceito central da gerontologia, a expressão envelheci¬mento bem-sucedido foi mencionada por Robert. J. Havighurst, no perió¬dico The Gerontologist, em 1961 (Motta et al., 2005). Em 1987, Rowe e Kahn propuseram a distinção entre envelhecimento típico e bem-sucedido, su¬gerindo que o estudo dos determinantes desse processo deveria observar os indivíduos com características fisiológicas e psicossociais consideradas acima da média. Nos anos subseqüentes, Rowe liderou vários trabalhos no MacArthur Study of Successful Aging que incluíram os temas: performance física, relações entre a auto-estima e o sistema endócrino, função cognitiva e associações entre carga alostática e saúde.
Na década de 1990, pesquisas buscaram identificar os determinan¬tes do envelhecimento bem-sucedido, utilizando medidas objetivas e tentativas de operacionalização do fenômeno. Nos últimos cinco anos, a ênfase tem sido conhecer as percepções dos idosos sobre a experiência, associando esse conhecimento aos resultados das avaliações profissionais. A justificativa é não haver concordância sobre o significado de envelheci-mento bem-sucedido entre os pesquisadores da área (Glass, 2003; Depp & Jeste, 2006; Phelan, Anderson, LaCroix, & Larson, 2004; Phelan & Larson, 2002; Rowe & Kahn, 1997).
Strawbridge, Wallhagen e Cohen (2002) afirmam que o bem-estar subjetivo é um critério essencial para a velhice bem-sucedida; porém, Bo¬wling e Dieppe (2005) estendem essa noção, salientando a importância da prevenção da morbidade até o ponto mais próximo da morte. Segundo Phelan et al. (2004), a principal característica do envelhecimento saudável é a capacidade de aceitação das mudanças fisiológicas decorrentes da ida¬de. Para Hansen-Kyle (2005), envelhecer com saúde refere-se a um conceito pessoal cujo planejamento deve ser focalizado na história, nos atributos físicos e nas expectativas individuais, constituindo-se, portanto, numa jor¬nada e não num fim.
Discute-se também qual seria o termo adequado para designar essa condição, pois, no final da década de 1990, a Organização Mundial de Saúde (OMS, 2005) substituiu a expressão envelhecimento saudável por envelhecimento ativo, definindo o processo como “otimização das opor¬tunidades de saúde, participação e segurança, com o objetivo de melhorar a qualidade de vida à medida que as pessoas ficam mais velhas” (p. 13). Entretanto, vários descritores são utilizados para se referir ao mesmo con¬ceito na literatura, incluindo bem-sucedido, produtivo, saudável e robusto (Fried, Freedman, Endres, & Wasik, 1997; Lupien & Wan, 2004; Phelan & Lar¬son, 2002; Ramos, 2003; Rowe & Kahn, 1997).
Este artigo propõe uma reflexão sobre o significado do envelheci¬mento bem-sucedido. Dar-se-á ênfase à hipótese de que a subjetividade conceitual está relacionada às particularidades individuais e às diferenças socioculturais. Observa-se que a dicotomia sucesso/fracasso e as tentativas de estabelecimento de critérios exclusivamente objetivos sugerem que os idosos não incluídos no grupo referencial são responsáveis por suas con¬dições não ótimas. Sob outra perspectiva, os estudos de abordagem inte¬grada, que analisam medidas objetivas e valorizam as percepções dos ido¬sos, oferecem a possibilidade de definir o envelhecimento bem-sucedido como uma meta pessoal, continuamente modificada no curso da vida.
Definições de envelhecimento bem-sucedido
Em revisão da literatura, Phelan e Larson (2002) analisaram trabalhos que buscaram definir o envelhecimento bem-sucedido e identificar os pro¬váveis indicadores do sucesso. Apesar de haver diferentes definições ope¬racionais enfatizando a capacidade funcional, as seguintes características foram também consideradas: satisfação com a vida, longevidade, ausência de incapacidade, domínio/crescimento, participação social ativa, alta capa¬cidade funcional/ independência e adaptação positiva. Os fatores predito¬res variaram conforme os autores, destacando-se: nível educacional eleva¬do; prática de atividade física regular; senso de auto-eficácia; participação social e ausência de doenças crônicas.
Em outro estudo sobre o tema, Depp e Jeste (2006) encontraram 29 definições operacionais em 28 artigos. Esses autores demonstraram que há diferenças referentes aos domínios, variáveis independentes, instrumentos de medidas e proporção dos sujeitos que preencheram os critérios para envelhecimento bem-sucedido. Os componentes das definições selecio¬nadas foram classificados em dez categorias, e os resultados indicaram o predomínio de função física (26 artigos) e déficit cognitivo (13 artigos). Fre¬qüências mais baixas foram apresentadas nos outros domínios: bem-estar subjetivo (9), engajamento social (8), doenças (6), longevidade (4), auto-re¬lato de saúde (3), características da personalidade (2), ambiente/finanças (2) e auto-avaliação de envelhecimento bem-sucedido (2). Os critérios utili¬zados nas definições operacionais incluíram: independência no desempe¬nho das atividades de vida diária (AVDs); realização de trabalhos de jardi¬nagem, prática de esportes e caminhadas; Short-form 36 (SF-36) – função física; manter contato mensal com mais de três amigos/parentes; executar trabalho remunerado mais de 30 horas por semana, trabalho voluntário e atividades de assistência; sentir-se feliz, contente e sem preocupações; Es¬cala de Depressão Geriátrica (pontuação 5 em 15 itens); não ter cardiopa¬tia, acidente vascular encefálico (AVE), câncer, osteoporose, enfisema, asma, hipertensão e obesidade; não fumar; ter idade ≥ 85 anos; estar em situação financeira segura; gostar do ambiente domiciliar; Mini-Exame do Estado
1 Funcionalidade física, cognitiva e social sem necessidade de assistência (Phelan & Larson, 2002)
Mental > 8; concordar plenamente com a frase: “Estou envelhecendo de maneira bem-sucedida”.
Phelan e Larson (2002) explicam que os resultados dos estudos sobre envelhecimento bem-sucedido estão relacionados às definições utilizadas, sendo estas estabelecidas arbitrariamente pelos autores. Nos resultados das pesquisas analisadas por Depp e Jeste (2006), por exemplo, a propor¬ção de idosos bem-sucedidos variou de 0,4% a 95% . A heterogeneidade das definições foi a principal questão metodológica que contribuiu para a extensão dessa faixa. Os preditores mais significativos de sucesso na ve¬lhice foram: ser mais jovem (idade próxima dos 60 anos), ter melhor de¬sempenho nas AVDs, não ser tabagista e não ter artrite nem problemas auditivos. Gênero, nível de escolaridade, estado conjugal e renda não tive¬ram associação com envelhecimento bem-sucedido, mas cinco variáveis apresentaram correlação moderada: prática regular de atividades físicas, freqüência alta nos contatos sociais, ausência de depressão e de déficit cognitivo, menor número de condições médicas e melhor auto-relato de saúde (Depp & Jeste, 2006).
Segundo Depp e Jeste (2006), a alta freqüência do domínio função física nas definições, particularmente o desempenho das AVDs, não se aproxima dos resultados de pesquisas qualitativas. Nestas, os idosos infor¬mam que aspectos subjetivos, incluindo o engajamento social e a atitude positiva perante a vida, são componentes essenciais do envelhecimento bem-sucedido. Os autores acreditam na hipótese de que os pesquisado¬res dos artigos selecionados tenham construído as definições post hoc, baseando-as na ausência de declínio funcional, baixa inclusão dos fatores psicossociais e desconsideração dos estados de afeto positivo. Essa seria uma percepção clínica equivocada do fenótipo de envelhecimento bem-sucedido em contraposição à fragilidade.
Perspectivas biomédica e psicossocial

O conceito de envelhecimento bem-sucedido tem sido discutido sob a perspectiva biomédica e a psicossocial (Glass, 2003). Rowe e Kahn (1997) consideram que o envelhecimento bem-sucedido inclui três elementos: (1) probabilidade baixa de doenças e de incapacidades relacionadas às mes¬mas; (2) alta capacidade funcional cognitiva e física; (3) engajamento ativo com a vida. A hierarquia entre os componentes é representada pela inte¬gridade das funções física e mental. Essas funções atuam como potencial para a realização das atividades sociais, envolvendo as relações interpesso¬ais e as atividades produtivas, remuneradas ou não.
Essa noção de envelhecimento bem-sucedido considera a existência dos déficits cognitivos e fisiológicos associados à idade que são geneti¬camente determinados, mas pressupõe também que algumas condições podem ser modificadas (Kahn, 2002). Um dos resultados importantes do MacArthur Study of Successful Aging relaciona-se às mudanças possíveis nos níveis e padrões da função física pela influência de fatores potencial¬mente modificáveis, tais como: atividades físicas, suporte social e senso de auto-eficácia, independente de doenças crônicas e diferenças nas caracte¬rísticas sociodemográficas. Unger et al. (1999) investigaram os efeitos do apoio social nas mudanças da função física em indivíduos de 70 a 79 anos por um período de sete anos. Os resultados indicaram que os participantes que mantinham mais laços sociais demonstraram menos declínio da capa-cidade funcional.
Segundo Rowe e Kahn (1987), desvalorizar a heterogeneidade in¬dividual e cultural implica reduzir a importância da interação dos fatores biopsicossociais no envelhecimento, gerando o equívoco de que a alta fre¬qüência de condições específicas na velhice representa a totalidade dos casos. Os autores propõem que as condições de envelhecimento saudável, patológico e bem-sucedido sejam consideradas trajetórias em um conti¬nuum que pode tender para o declínio ou para a reversão e minimização de perdas por meio de intervenções.
Lupien e Wan (2004) reconhecem que os dados gerados pelos es¬tudos MacArthur são importantes para ampliar o conhecimento sobre o envelhecimento bem-sucedido. Porém, esses autores criticam o princípio elitista das pesquisas, explicando que os resultados não podem ser genera¬lizados porque a amostra foi constituída pelo tercil de idosos com melhor desempenho da função cognitiva e, conseqüentemente, maior nível de es-colaridade e condição econômica privilegiada. Lupien e Wan (2004) argu¬mentam ainda que a definição operacional utilizada no MacArthur Study não permite que idosos com incapacidade funcional sejam considerados bem-sucedidos.
Motta et al. (2005) testaram os critérios de Rowe e Kahn (1997) em uma amostra de 603 idosos residentes na Itália, investigando se centená¬rios saudáveis poderiam ser considerados protótipos do envelhecimento bem-sucedido. Os participantes formaram três grupos, observando o de-sempenho nas AVDs, AIVDs e função cognitiva, sendo 121 centenários em boa condição de saúde, 201 com saúde moderada e 280 em estado de saú¬de precária. Vinte e cinco por cento dos participantes considerados sau¬dáveis foram classificados como independentes, sendo 5,7% independen¬tes em todos os itens de AIVDs. Entretanto, mesmo com integridade das funções física e cognitiva, autonomia no desempenho das AVDs e AIVDs e realização de outras atividades, incluindo bordado, jardinagem e passar roupas, esses idosos haviam encerrado suas atividades profissionais e so¬ciais. Motta et al. (2005) concluíram que há dificuldade de preenchimento do terceiro critério de Rowe e Kahn (1997) para os indivíduos em idade avançada. Apesar da longevidade e boa condição de saúde, esses centená¬rios não poderiam ser considerados bem-sucedidos segundo o modelo.
Baltes (2000) propõe que o curso de vida segue um script de mu¬danças referentes às metas e aos meios de consecução das mesmas. O en¬velhecimento bem-sucedido pode ser alcançado por uma seqüência de seleção, otimização e compensação (SOC). A etapa da seleção consiste no direcionamento eletivo do desenvolvimento, incluindo a escolha das es¬truturas disponíveis para a obtenção satisfatória de metas. Essas metas são redefinidas conforme a repercussão das perdas nas atividades individuais e sociais. A otimização é o processo de potencializar os meios selecionados para o percurso, envolvendo o uso de recursos internos e externos para que o resultado seja eficiente. A compensação associa-se à otimização e se caracteriza pela aquisição ou ativação de novos meios e aprendizagens para compensar o declínio que coloca em risco a funcionalidade efetiva (Baltes & Smith, 2003).
Segundo Baltes e Smith (2003), SOC é um constructo psicossocial di¬nâmico cuja expressão atinge o pico na idade adulta, acentuando-se no envelhecimento como um plano de seleção e compensação com carac¬terísticas pessoais e contextuais específicas. O foco é a busca contínua de uma maneira efetiva de lidar com as perdas por meio de estratégias psi¬cológicas, alocando-se recursos internos e concretos e se aproximando de uma teoria de desenvolvimento adaptativo (Baltes & Smith, 2003).
Lupien e Wan (2004) entendem que a não inclusão das variáveis bio¬lógicas limita a aplicação do modelo SOC porque os atributos resiliência e enfrentamento variam também em função da saúde física e cognitiva. Esses autores objetam que alguns problemas de alta complexidade não poderiam ser solucionados na seqüência seleção, otimização e compen¬sação. A implementação desse modelo responsabilizaria excessivamente o indivíduo pelo bem-estar próprio. Baltes e Smith (2003), no entanto, re¬conhecem o desafio inerente à vulnerabilidade física, cognitiva e socioeco¬nômica na idade avançada, recomendando que sejam iniciadas discussões para fortalecer o princípio da dignidade nas situações de vida e morte das pessoas longevas. Os pesquisadores ressaltam que indivíduos muito ido¬sos se encontram no limite da capacidade funcional, havendo necessida¬de de planejamento e implementação de medidas que tornem efetivas as intervenções para redução da prevalência de fragilidade e da mortalidade psicológica, caracterizada por perdas da identidade, autonomia e senso de controle.
Riley e Riley (1994) enfatizam que há necessidade de se considerar o desenvolvimento humano, observando os aspectos ambientais, sociais e históricos da vida pessoal. Os autores propõem que o dinamismo do enve¬lhecimento humano se encontra à frente das mudanças estruturais, haven¬do uma “defasagem estrutural”. Segundo esses pesquisadores, o modelo atual que organiza a sociedade por faixas etárias deverá transformar-se em uma sociedade integrada pela idade. A idade não mais será um valor com poder de limitações na vida das pessoas nas instituições sociais, tais como educação, trabalho e aposentadoria. Para isso, no entanto, haverá a necessi¬dade de mudanças revolucionárias que são iniciadas quando as pesquisas sobre o envelhecimento complementam, em uma relação interacional, o conhecimento atual sobre as estruturas sociais.
Kahn (2002) observa que os modelos de Rowe e Kahn (1987), Baltes e Baltes (1990) e Riley e Riley (1994) podem ser complementares. O pri¬meiro enfatiza a possibilidade de os indivíduos manterem e melhorarem a capacidade física e mental, enquanto o segundo considera a importância da satisfação com a vida, a participação social e os recursos psicológicos. O terceiro estabelece que as sociedades podem proporcionar oportunida¬des de envelhecimento bem-sucedido ao implementarem recursos exter¬nos por meio de políticas públicas.
Abordagem integrada

Parece não haver concordância sobre as informações necessárias para a definição de envelhecimento bem-sucedido. Os pesquisadores questionam se os dados mais significativos seriam os resultados de medi¬das objetivas, auto-avaliações subjetivas ou ambos (Depp & Jeste, 2006).
Phelan e Larson (2002) reforçam a importância das pesquisas quali¬tativas. Segundo esses pesquisadores, poucos estudos investigam as opini¬ões dos idosos sobre o significado do envelhecimento bem-sucedido, mas as informações obtidas por entrevistas podem contribuir para uma valida¬ção de face das definições teóricas e para a relevância de estudos empíri¬cos sobre o tema. Em estudo posterior, Phelan et al. (2004) explicam que os instrumentos para conhecer as crenças sobre o envelhecimento ainda não conseguiram expandir os conceitos de envelhecimento bem-sucedido. Por essa razão, as percepções dos idosos podem contribuir para a elaboração das definições propostas pelos pesquisadores.
Em uma amostra de 867 participantes com idade entre 65 e 99 anos, Strawbridge et al. (2002) compararam o modelo de Rowe e Kahn (1987) e uma definição própria de envelhecimento bem-sucedido, em resposta à questão: “Eu estou envelhecendo com sucesso (ou envelhecendo bem)?”. Os resultados demonstraram diferenças nos percentuais de idosos con¬siderados bem-sucedidos segundo avaliação própria (50,3%) e com base nos critérios de Rowe e Kahn (18,8%). As variáveis ausência de doenças crônicas e manutenção da capacidade funcional foram associadas com envelhecimento bem-sucedido nas duas definições. Porém, muitos indiví¬duos consideraram-se bem-sucedidos mesmo tendo uma doença crônica (42,7%) e comorbidades (35% com duas e 16,7% com três ou mais).
Os dados relacionados às funções física e cognitiva foram similares, pois 35,5% dos participantes que apresentavam problemas físicos e cog¬nitivos avaliaram-se como bem-sucedidos. Trezentos e trinta e três dos 704 idosos classificados como sem sucesso, conforme os critérios do modelo, consideraram-se bem-sucedidos; mas 60 dos 163 participantes indicados como bem-sucedidos não se auto-avaliaram dessa forma. Para Strawbrid¬ge et al.(2002), a integridade da saúde física e a capacidade funcional são componentes importantes do envelhecimento bem-sucedido, mas uma definição não pode limitar-se a esses fatores. Excetuando-se os estudos com ênfase biológica, nos quais o conceito de sucesso na senescência está restrito à longevidade ou ausência de incapacidade, o componente bem-estar subjetivo é essencial para que uma definição de envelhecimento bem-sucedido seja válida.
Moraes e Souza (2005) investigaram os fatores associados ao enve¬lhecimento bem-sucedido em 400 idosos de Porto Alegre, RS. Após ajustes, quatro variáveis mantiveram correlação significativa com esse fenômeno: relações familiares e de amizade, saúde e bem-estar percebido, capacidade funcional e suporte psicossocial.
Os fatores que aparentemente influenciaram a condição de envelhe¬cer bem foram: a percepção de que as crenças pessoais proporcionam sig¬nificado para a vida e a percepção do status de saúde em diferentes graus. Os idosos que indicaram o status de saúde como muito bom ou bom ti¬veram a probabilidade 5,12 vezes mais alta de serem classificados como bem-sucedidos, enquanto os participantes que afirmaram que as crenças pessoais dão sentido à vida tiveram essa probabilidade 10,41 vezes mais alta. A conclusão, no entanto, foi que a percepção do status de saúde não foi um preditor independente do processo, ocorrendo de maneira similar com gênero, idade, condição conjugal, nível educacional e fatores ambien¬tais.
Para ampliar o conhecimento dos critérios de auto-avaliação do en¬velhecimento bem-sucedido, alguns autores recomendam a realização de entrevistas com os idosos (Glass, 2003; Depp & Jeste, 2006; Phelan & Larson, 2002; Phelan et al., 2004). Segundo Kahn (2002), embora as propriedades psicométricas dos estudos qualitativos sejam limitadas, há evidências de que, associadas aos dados objetivos, as informações subjetivas têm valores preditivos significativos.
Os resultados de entrevistas com 27 indivíduos com 85 anos, parti¬cipantes do estudo de Von Faber et al. (2001), indicaram que o sucesso é um processo de adaptação que inclui marcadores psicológicos, tais como: capacidade de ajustar-se às circunstâncias, valorização dos ganhos e apre¬ciação das qualidades pessoais. Bem-estar e atividades sociais foram fato¬res valorizados em comparação às funções física e psicocognitiva, sendo a dimensão social uma condição essencial para o bem-estar.
Puts et al. (2006) descreveram os significados de fragilidade e de en¬velhecimento bem-sucedido, segundo informações de entrevistas com 25 pessoas entre 55 e 88 anos de idade de Amsterdã, Holanda. Os participantes observaram que envelhecer com ou sem sucesso refere-se a um processo que acentua o estilo individual e não pode estar restrito à avaliação de um momento específico da vida. Os contatos sociais e as oportunidades para ajudar aos outros foram citados como critérios importantes, e os homens salientaram o sucesso profissional. A independência financeira foi mencio¬nada como uma medida de precaução para evitar preocupações na época da aposentadoria. A comparação com indivíduos em situação considerada pior foi descrita como forma de auto-afirmação nas realizações pessoais. Alguns participantes explicaram que a perspectiva positiva de enfrenta¬mento dos desafios corresponde a um estilo saudável de viver que se opõe ao comportamento de queixas.
Os idosos entrevistados no estudo de Puts et al. (2006) informaram que fragilidade e envelhecimento bem-sucedido são condições multifato¬riais, multidimensionais e opostas que interferem nas atividades de lazer. Envelhecimento bem-sucedido seria o processo de estar saudável e ativo, considerando-se as dimensões física, cognitiva e social; porém, fragilidade seria um estado caracterizado por problemas psicossociais e diminuição da saúde.
Variações culturais

Algumas pesquisas sobre envelhecimento bem-sucedido têm o objetivo de estabelecer critérios para as definições, mas essas tentativas de padronização são criticadas por Torres (1999). Segundo essa autora, o envelhecimento bem-sucedido é um valor norte-americano, sociocultural¬mente determinado. Portanto, os conceitos resultantes de estudos que não consideraram as variações culturais devem ser questionados.
A hipótese de aculturação do “sucesso na velhice” foi defendida tam¬bém por Phelan et al. (2004). Utilizando um questionário com 20 atribu¬tos de envelhecimento bem-sucedido, esses pesquisadores constataram que dois grupos de idosos (norte-americanos de ascendência japonesa e caucasianos) selecionaram os mesmos tópicos. Treze itens foram indica¬dos como importantes: saúde, satisfação com a vida, atenção de amigos e familiares, relações sociais, autonomia para escolhas, satisfação das neces¬sidades próprias, não sentir solidão, adaptação às mudanças relacionadas à idade, capacidade de autocuidado até próximo da morte, sentir-se bem consigo mesmo, enfrentar os desafios dos anos vindouros, não ter doenças crônicas e agir conforme os valores interiores.
Matsubayashi, Ishine, Wada e Okumiya (2006) aplicaram o mesmo questionário a 5.207 idosos de quatro cidades do Japão e compararam os resultados entre os dois grupos do estudo de Phelan et al. (2004) e o grupo de japoneses. O número menor de itens foi indicado pelos japoneses (7), seguidos pelos japoneses/norte-americanos (13) e pelos norte-america¬nos de origem caucasiana (14). Essa discrepância pode estar relacionada aos diferentes valores culturais, pois os 20 atributos de envelhecimento bem-sucedido foram derivados da literatura ocidental. Os itens importan¬tes para os idosos japoneses foram: saúde até a morte, satisfação com a vida, hereditariedade, atenção dos amigos e familiares, ajustes às mudan¬ças associadas ao envelhecimento, capacidade de autocuidado até próxi¬mo da morte e não ter doenças crônicas. Excetuando-se a hereditariedade, esses itens foram também indicados pelos dois outros grupos. Sete itens considerados importantes por mais de 75% dos respondentes dos Estados Unidos da América (EUA) não foram selecionados pelos idosos japoneses: envolvimento social, autonomia para escolhas, satisfação das necessidades próprias, não sentir solidão, sentir-se bem consigo mesmo, estar apto para enfrentar os desafios dos próximos anos e agir conforme valores próprios.
Critica-se o pressuposto de que o envelhecimento bem-sucedido tem valor superior à velhice típica, com declínio normativo na capacidade funcional. A referência é uma capacidade funcional excepcional que seria privilégio de poucos em idade avançada, gerando o equívoco de que as condições de doença e dependência representam marcadores de fracas¬so. Para Depp e Jeste (2006), o termo “bem-sucedido” é semanticamente problemático porque pressupõe a dicotomia sucesso-fracasso. Entretanto, adjetivos tais como saudável, produtivo e robusto tampouco são ideais, porque seus antônimos – doente, inválido e frágil – podem ser considera¬dos pejorativos, dependendo das conotações.
Strawbridge et al. (2002) reforçam essa crítica, explicando que a noção do sucesso pressupõe um contexto competitivo de vencedores e perdedores. Kahn (2002) considera que a expressão “bem-sucedido” tem o efeito, não intencional, de classificar os idosos como mal-sucedidos. O autor argumenta, no entanto, que o problema não é conceitual, mas refle¬te uma característica norte-americana que preserva uma visão dicotômica da vida (tudo/nada, sucesso/fracasso), não reconhecendo o continuum dos processos naturais.
Implicações clínicas

A heterogeneidade no envelhecimento dificulta a concordância so¬bre o conceito de “bem-sucedido”. Para estabelecer metas de promoção de saúde no âmbito individual e social, os profissionais devem conhecer as expectativas e os significados pessoais de sucesso.
Para Glass (2003), as doenças e limitações não impossibilitam a ex¬periência pessoal de velhice bem-sucedida. Muitos idosos relatam estar envelhecendo bem, embora os resultados de testes clinicamente objetivos demonstrem uma condição desfavorável de saúde.
As questões sobre objetivos pessoais, papéis sociais e componen¬tes da capacidade funcional podem contribuir para a sistematização das definições, facilitando a otimização das condições para o envelhecimento bem-sucedido (Bowling & Dieppe, 2005). Segundo Phelan et al. (2004), a inclusão das percepções da população idosa nas definições fortalece a prá¬tica clínica de abordagem centrada no paciente.
Considerações finais

As definições de envelhecimento saudável, ativo, robusto e bem-su¬cedido não encontram sustentação nos estudos que consideram apenas a longevidade como critério. O processo envolve múltiplos fatores individu¬ais, sociais e ambientais, determinantes e modificadores da saúde.
O conceito gera debates porque depende de uma apreciação in¬dividual que é justificada no bem-estar subjetivo. São infinitas as formas de sentir e avaliar a própria vida, de maneira que a interpretação literal da expressão “bem-sucedido” sugere uma noção simplista de sucesso ou fra¬casso. Para ampliar o conhecimento dos profissionais de saúde sobre as competências dos idosos, as pesquisas sobre o tema devem ser conduzi¬das pela perspectiva integrada: análise dos dados objetivos e das percep¬ções pessoais.
O envelhecimento bem-sucedido aproxima-se de um princípio orga¬nizacional para alcance de metas, que ultrapassa a objetividade da saúde física, expandindo-se em um continuum multidimensional. A ênfase recai sobre a percepção pessoal das possibilidades de adaptação às mudanças advindas do envelhecimento e condições associadas.
Envelhecer bem é uma questão pragmática de valores particulares que permeiam o curso da vida, incluindo as condições próximas da morte. A implementação de programas que elevam o nível de qualidade de vida dos idosos pode prescindir, temporariamente, da definição uniforme desse fenômeno. O objetivo de muitos idosos e profissionais tem sido a promo¬ção de saúde e bem-estar nessa fase da vida, seja referindo-se ao envelhe¬cimento saudável, produtivo, ativo ou bem-sucedido.



Referências

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Ilka Nicéia D’Aquino Oliveira Teixeira, Terapeuta Ocupacional pela Universidade Fede¬ral de Minas Gerais (UFMG), Mestre em Gerontologia pela Universidade Estadual de Campinas (Unicamp). Endereço de correspondência: Rua Olinda, 496 – Nova Suíça – CEP 30460-680 – Belo Horizonte, MG. Endereço eletrônico: ilkateixeira@netscape.net
Anita Liberalesso Neri, Psicóloga, Professora Titular na Unicamp, onde ensina e pesqui¬sa na área de Psicologia do Envelhecimento. Endereço: Departamento de Psicologia Educacional, FE Unicamp, Av. Bertrand Russell, 801 – Cidade Universitária – CEP 13083-970, Campinas, SP. Endereço eletrônico: anitalbn@uol.com.br

Recebido em: 23/04/2007
Aceito em: 30/09/2007

domingo, 14 de junho de 2009

Aspectos Sócio-Históricos e Psicológicos da Velhice

v.6, n. 13, dez.2004/jan.2005
Disponível em http://www.seol.com.br/mneme





Ludgleydson Fernandes de Araújo
Mestrando em Psicologia Social e Especialista em Gerontologia
Pesquisador do Núcleo de Pesquisa Aspectos Psicossociais de Prevenção e Saúde Coletiva
Universidade Federal da Paraíba
E-mail: ludgleydson@ig.com.br
Virgínia Ângela M. de Lucena e Carvalho
Doutora em Desenvolvimento Adulto e Envelhecimento Humano - Universidade de Salamanca-Espanha
Professora do Departamento de Serviço Social e Programa de Pós-Graduação em Serviço Social
Coordenadora da Base de Investigação Multidisciplinar em Desenvolvimento Humano e Envelhecimento
Universidade Federal da Paraíba
E-mail: manaira@usal.es

Resumo

O fenômeno da velhice é algo presente nas diversas épocas e lugares, fazendo parte da evolução da civilização humana. No entanto, este constructo sócio-histórico e psicológico ao longo dos tempos foi alvo de pesquisas científicas e do senso comum, cuja premissa maior era busca da juventude e da beleza eterna. De modo que a velhice possui o componente preconceituoso e estereotipado de uma fase do desenvolvimento humano marcado por acontecimentos negativos.
Nas sociedades contemporâneas verifica-se um aumento da expectativa de vida e crescimento da população idosa em vários países. O presente artigo objetiva enfocar a velhice e o processo de envelhecimento humano numa abordagem sócio-histórica e psicológica.

Palavras-chave
Velhice – Envelhecimento humano – Abordagem sócio-histórica e psicológica

1 . VELHICES: uma construção sócio-histórica

A questão do envelhecimento e da longevidade humana é algo que já se fazia presente na mais remota história, seja na busca pela fórmula da eterna juventude, esta associada à felicidade plena; ou como preocupação constante do homem em todos os tempos. Despertando maior ênfase na última década, devido sobretudo a sua expansão tanto a nível mundial, como na realidade brasileira, sendo objeto de investigação na comunidade acadêmica e na sociedade civil.
A imortalidade e a eterna juventude são sonhos míticos da espécie humana. A procura da fonte da juventude é assunto desde os mais antigos escritos. O livro Gênese do Antigo Testamento fala que após o dilúvio as pessoas passaram a viver mais, a velhice é vista como um edifício e a morte representa sua total e definitiva demolição. Já os gregos como por exemplo Hesíodo (século VIII a.c.), descreveu uma raça dourada, constituída por um povo que vivia centenas de anos sem envelhecer e que morreriam dormindo quando chegasse o seu dia. Aristóteles (filósofo grego) e Galeno (médico grego) acreditavam que cada pessoa nascia com certa quantidade de calor interno, que iria se dissipando com o passar dos anos, considerando a velhice o período final desta dissipação de calor. Neste sentido, este primeiro, sendo um dos mais influentes filósofos do pensamento ocidental naquela época, sugeria o desenvolvimento de métodos que evitassem a
perda de calor, prolongando a vida, fugindo um pouco da mitologia utilizada até então para dar uma conotação científica a este fenômeno (Azevedo, 2001).
Em algumas civilizações mais antigas, a valorização pessoal parece vinculada à
capacidade física, força, vitalidade, beleza, virilidade; ao passo que em países orientais a velhice é objeto de adoração, uma vez que os jovens procuravam os idosos em busca de conhecimentos e experiência. Em relação à cultura, encontram-se várias formas de conceituação e enfrentamento da velhice. No Egito, provavelmente por volta de 3000 a. C., há registros da obrigação dos filhos
em cuidar de seus idosos, e para os egípcios, “viver 110 anos era considerado o prêmio de uma vida equilibrada e virtuosa” (Leme, 1996, p. 14). Em Israel, o respeito dos judeus aos anciãos fica evidenciado tanto na Bíblia quanto do ponto de vista legal: maltratar os pais era considerado crime que poderia ser punido com a morte. O órgão máximo do povo hebreu – Sinédrico – era composto por 70 “anciãos do povo”. Já na China, mesmo reconhecendo a limitação natural da vida humana, acreditava-se que, de maneira natural, esta devesse se prolongar das faculdades mentais e dos sentidos (Leme, 1996).
Ainda na China, o taoísmo, preconiza o encontro do “verdadeiro caminho” que seria viver tanto até tornar-se imortal, para isto fazia-se necessário aprender a conservar as energias vitais por exemplo, mantendo o controle da respiração, alimentando-se de frutas e raízes, evitando carne e álcool, como também a substituindo-se o comportamento sexual pelo ato da meditação (Azevedo, 2001).
No século XVI começaram a aparecer os primeiros trabalhos científicos acerca do
envelhecimento humano, com representantes como Bacon, Descartes e Benjamim Franklin que acreditavam ser apenas o desenvolvimento de métodos científicos eficazes para ‘vencer’ as transformações da velhice. Francis Bacon (1561-1626) escreveu “A História Natural da Vida e da Morte e a Prolongação da Vida”, defendendo a idéia de que um espírito jovem inserido em um corpo velho faria regredir a evolução da natureza. Benjamim (1745-1813) por sua vez é o primeiro
a dizer que são as doenças responsáveis pela morte e não o envelhecimento – que não é doença. (Azevedo, 2001; Leme, 1996).
Por volta de 1867 o médico francês Jean Marie Charcot, realizou pesquisa com o intuito de estudar o processo de envelhecimento, suas causas e conseqüências sobre o organismo, denominado “Estudo clínico sobre a senilidade e doenças crônicas”. Já em 1908 Elie Metchnikoff ganha o prêmio Nobel de medicina, com estudo que advogava ser o intestino grosso que expelia venenos responsáveis pela deterioração dos alimentos, para isso preconizava a ingestão regular
de leite ou iogurte, e o hábito de utilizar laxantes para esterilizar o organismo (Azevedo, 2001).
Nas sociedades contemporâneas o Papa João Paulo II, no ano de 1999 (Ano Internacional do Idoso), escreveu uma carta aos anciãos, afirmando que estes ajudam a contemplar os acontecimentos terrenos com mais sabedoria, porque as vicissitudes os tornaram mais experientes e amadurecidos. Eles são guardiões da memória coletiva e, por isso, intérpretes privilegiados daquele conjunto de ideais e valores humanos que mantêm e guiam a convivência social.
Percebe-se que na atualidade é negado ao velho sua função social, uma vez que
habilidades como aconselhar e lembrar são mecanismos não valorizados, sendo decorrente a opressão à velhice. Esta se dá a partir de mecanismos institucionais visíveis como, por exemplo, as casas de ‘repouso’, asilos, bem como por questões psicológicas (a tutelagem, a inexistência do diálogo, discriminação) e mecanismos científicos com pesquisas que demonstram deterioração física, deficiência nas relações interpessoais (Chauí, 1994).
Percebe-se, então, o reconhecimento da autoridade religiosa ao processo de
envelhecimento e, é válido salientar, essa atitude tem partido também de outros autores que se dispõem a tratar a questão da velhice. Como salienta Cícero (1997), deve-se combater a velhice por meio de exercícios físicos e de boa alimentação, uma vez que os velhos a conservam tanto melhor quando permanecem intelectualmente ativos.
Até o século XIX, a velhice era tratada como uma questão de mendicância, porque sua fundamental característica era a não possibilidade que uma pessoa apresentava de se assegurar financeiramente. Assim, a noção de velho remete à incapacidade de produzir, de trabalhar. Dessa forma, segundo Peixoto (1998), era denominado velho (vieux) ou velhote (veillard) aquele indivíduo que não desfrutava de status social – muito embora o termo velhote também fosse utilizado para denominar o velho que tinha sua imagem definida como “bom cidadão”.
As questões concernentes ao envelhecimento humano ganharam destaque na pauta das pesquisas científicas no início da década de 1920, com investigações que contemplavam, basicamente, as transformações fisiológicas e suas perdas para o organismo nesta fase do desenvolvimento. Estudos pioneiros, como os realizados por Stanley Hall, marcaram esta fase embrionária, enfocando a velhice entre os acadêmicos com a publicação, em 1922, da obra Senescence: the hall of life (Paiva, 1986).
Esta autora ainda menciona que a velhice por um largo espaço de tempo foi associada a limitações e deficiências, posto que esta era objeto da Psicologia do Excepcional, e não do desenvolvimento humano. Não obstante, algumas publicações de autores como Telford e Sawrey (1976), no último capítulo de seu livro O indivíduo Excepcional, dedicam-se à velhice. Seu argumento caracterizava este estágio do desenvolvimento como pouco produtivo do ponto de vista
comportamental.
Para demonstrar uma visão menos estereotipada da velhice, o termo “idoso” foi adotado para caracterizar tanto a população envelhecida em geral, como aquela mais favorecida. A partir de então, os “problemas dos velhos” passaram a ser vistos como “necessidades dos idosos” (Peixoto, 1998). Por outro lado, Neri & Freire (2000) colocam que a substituição dos termos velho ou velhice por melhor idade já indica preconceito, pois, caso contrário, essa troca de palavras não
seria necessária. As mesmas autoras ainda fazem menção ao termo “terceira idade”. Este termo foi cunhado nos anos 60, para designar a idade em que a pessoa se apresenta servindo para designar a faixa etária intermediária entre a vida adulta e a velhice (Neri & Freire, 2000, p. 13). Esta distinção também traz uma dose de conotação negativa ao termo velhice, porque se compreende que quem está na terceira idade ainda não é velho. Porém, ao mesmo tempo, fornece uma visão mais benéfica daqueles que se encontram com 60 anos ou mais. Esta é a idade que a ONU (Organização das Nações Unidas) define como o início da velhice nos países em desenvolvimento, elevada aos 65 anos nos países desenvolvidos.
Em face desses preconceitos, estabeleceram-se conceitos sobre os termos velho, idoso e terceira idade. “Velho” ou “idoso” refere-se a pessoas idosas, na média de 60 anos; “velhice” seria a última fase da existência humana e “envelhecimento” atrelado às mudanças físicas, psicológicas e sociais (Neri & Freire, 2000).
Há ainda outras metáforas acerca do envelhecimento como, por exemplo, “amadurecer” e “maturidade”, que significam a sucessão de mudanças ocorridas no organismo e a obtenção de papéis sociais, respectivamente (Neri & Freire, 2000). Considerando os mais variados termos de distintos autores sobre a questão da velhice, percebe-se que a pessoa envelhecida conheceu, assim, uma série de modificações ao longo do tempo, uma vez que as mudanças sociais reclamavam políticas sociais para a velhice, assim como a construção ética do objeto velho (Peixoto, 1998).
É preciso que se estabeleça respeito pelo idoso, reconhecendo-o enquanto ser humano que, se por vezes apresenta uma certa diminuição de suas habilidades físicas e sensoriais, possui outras qualidades que podem ser igualmente importantes (Del Prette, 1999).
Não obstante, denota-se que a velhice decorre mais da luta de classes que de conflito de gerações (Bosi, 1994). Uma vez que, ao velho não é permitida sua participação nas relações interpessoais, de modo que este ator social tem compartilhado seu lugar de exclusão na sociedade com outros grupos como: mulheres, negros, índios, portadores de necessidades especiais.
Para designar os conceitos que fazem referência a população de idades avançadas, há um consenso entre os pesquisadores das diversas áreas do conhecimento, que apenas o critério etário não é suficiente para demarcar o último curso da vida, antecessora a morte; pois o fenômeno é diferencial e obedece a uma gama de fatores tanto endógenos como exógenos nas esferas social, histórica, cultural, fisiológica e psicológica (Gómez, 2002).
Todavia, mesmo com a existência de inúmeros termos para denominar a fase da vida de 60 anos ou mais, não se deve negar que a velhice – ou qualquer outro termo que se use – constitui uma fase do desenvolvimento humano tão importante quanto as demais e que, portanto, merece toda atenção e dedicação tanto dos estudiosos do assunto como da família, da sociedade civil e, principalmente, do Estado, através do planejamento e operacionalização das políticas públicas.
Não obstante, faz-se necessário conhecer como que esse constructo sócio-histórico e cultural tem perpassado a formulação de teorias e pesquisas que vislumbram explicar e predizer as manifestações psicossociais da velhice e do processo de envelhecimento humano.

2. Psicologia do Envelhecimento e da velhice

O interesse da psicologia sobre a velhice é relativamente recente, visto que a expansão sistemática da Gerontologia só ocorre no final da década de 1950, principalmente em função do rápido crescimento no número de pessoas idosas.
Começam em 1928 as primeiras pesquisas experimentais sobre a velhice, a respeito de tópicos tais como: aprendizagem, memória e tempo de reação. No entanto, até 1940, pouco se pesquisou sobre a vida adulta e a velhice, considerando que até então esta foi a época de expansão e consolidação da psicologia da infância e da adolescência (Baltes, 1995).
Um possível motivo para o planejamento e a execução de um grande número de estudos empíricos acerca do envelhecimento, deve-se ao fato de que os pesquisadores não encontravam na psicologia do desenvolvimento uma resposta satisfatória para a realidade pessoal de envelhecimento, nem para a velhice como fato social, fenômeno sem precedentes na experiência da humanidade (Neri, 1995).
Ainda é enfatizado por esta autora que, por muito tempo, à velhice foi estudada apenas dentro da psicologia de desenvolvimento e com importância inferior ao estudo da psicologia infantil.
O envelhecimento era tratado como uma fase em que existem perdas, havendo perdas gradativas das capacidades tanto físicas quanto psíquicas.
Segundo Baltes (1995), a evolução do campo da psicologia do envelhecimento, no século XX, acarretou mudanças também na natureza da psicologia do desenvolvimento que, em vários países, especialmente nos EUA, era um campo sobreposto ao da psicologia infantil.
Basicamente, a rápida emergência da psicologia do envelhecimento foi uma conseqüência da confluência dessas duas correntes de interesses, originadas a partir da psicologia do desenvolvimento. Primeiro: houve uma curiosidade acerca da repercussão da infância sobre o desenvolvimento ulterior, ou seja, que conseqüências trariam, para a velhice, as experiências de desenvolvimento ocorridas na infância e na adolescência. Segundo: os psicólogos que trabalhavam com a vida adulta e a velhice passaram a estender o âmbito de seus conceitos e de seus estudos para a direção oposta do curso de vida (Baltes, 1995).
Erik Erikson um dos pioneiros nos estudos sobre o desenvolvimento humano, com a formulação da Teoria do Desenvolvimento durante toda a vida (1963,1964), explicitava que o desenvolvimento se processa ao longo da vida e que o sentido da identidade de uma pessoa se desenvolve através de uma série de estágios psicossociais durante toda a vida (Bee & Mitchell, 1984).
Esta teoria compõe-se de oito estágios, sendo o período da vida adulta (considerado após 41 anos) denominado de integridade do ego versus desespero, sendo que a integridade do ego é caracterizada por fatores intrínsecos à velhice como: dignidade, prudência, sabedoria prática e aceitação do modo de viver, e desespero seriam possivelmente medo da morte. Erikson, através destes estudos, contribuiu significativamente para a compreensão das transformações ocorridas na velhice, salientando-se que, até então, nenhum outro autor na psicologia havia dado ênfase ao estágio do desenvolvimento humano contemplando a vida adulta.
Como apontam Bee e Mitchell (1984), a teoria de Erikson colabora no sentido de oferecer sínteses sobre o desenvolvimento cognitivo e da personalidade, sobretudo na vida adulta. Após o desenvolvimento desta teoria, passaram-se décadas na psicologia sem a formulação de uma outra teoria do desenvolvimento da vida adulta. Outra teoria, desenvolvida por Gould (1978), enfatiza os processos do desenvolvimento da velhice, seguindo uma abordagem similar a de Erikson, propondo também estágios de desenvolvimento. Estas teorias desencadearam, dentro da Psicologia do Desenvolvimento, relevância a este estágio do desenvolvimento humano, pois neste período já era despertado, em várias áreas do conhecimento, sobretudo Gerontologia, o interesse em conhecer melhor os
fenômenos peculiares ao processo de envelhecimento e à velhice.
Denota-se, com os avanços dos estudos da Psicologia do Envelhecimento, a busca da velhice bem-sucedida, para isto alia-se a experiência de vida que os idosos possuem e os fatores da personalidade para que estes possam desenvolver mecanismos que contribuam para uma boa saúde física e mental, autonomia e envolvimento ativo com a vida pessoal, a família, os amigos, o
ócio, o tempo livre e as relações interpessoais (Neri, 2004).
Na medida em que esta nova área da psicologia toma corpo, vão ocorrendo também mudanças nos enfoques do desenvolvimento humano, visto que este território foi ampliado, incluindo-se novos contextos da vida e novos fenômenos evolutivos. Áreas como a psicologia clínica, a psicologia organizacional e a psicologia do trabalho, também tiveram que se adaptar a essas mudanças e novas perspectivas.
Segundo Neri (1995),

a psicologia do envelhecimento é hoje a área que se dedica à investigação das alterações comportamentais que
acompanham o gradual declínio na funcionalidade dos vários domínios do comportamento psicológico, nos anos
mais avançados da vida adulta (p.13).

Um dos desafios enfrentados pela psicologia do envelhecimento a priori foi conciliar os conceitos de desenvolvimento e envelhecimento, tradicionalmente tratados como antagônicos, tanto pelos cientistas, quanto pela sociedade civil e a família, tendo em vista que se considerava a velhice como um período sem desenvolvimento. Essa questão poderia ser amenizada com a ajuda da sociedade, se esta providenciasse uma maior focalização em torno da longevidade, da saúde
física e da adequação do ambiente às peculiaridades da velhice.
Por fim, a velhice constitui um estudo recente no âmbito da Psicologia de um modo geral, e na Psicologia Social, em particular, no entanto, ao longo das últimas décadas têm crescido significativamente as pesquisas e intervenções junto a este grupo social, demonstrando a importância da compreensão deste objeto a partir da ótica biopsicossocial.

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Fundação Getúlio Vargas.

A Preparação para a Aposentadoria: O Papel do Psicólogo frente a essa Questão

Revista Brasileira de Orientação Profissional, 2005, 6 (1), pp. 53 - 62 53




Milena Rodrigues
Noelle Harumi Ayabe
Maria Cristina Frollini Lunardelli1
Luiz Carlos Canêo
Universidade Estadual Paulista, Bauru

RESUMO
O trabalho é a principal atividade do homem, visto que norteia e é integrante de sua identidade. Além disso, o trabalho é o principal regulador da vida, já que o sujeito organiza seus horários, relacionamentos familiares e sociais em função deste. Neste contexto, a aposentadoria, por representar a ruptura com o papel profissional formal, ao invés de ser vivenciada como um repouso merecido, pode ser uma situação ameaçadora do equilíbrio psicológico. Há que se destacar, entretanto, nuances e diferenças na significação e modos de enfrentamento, considerando-se a classe econômica e demais fatores culturais e sociais a que estão submetidos os trabalhadores. Compreendendo o papel do psicólogo nas organizações de trabalho enquanto profissional que atua na melhoria da qualidade de vida dos trabalhadores, o objetivo deste artigo é propor programas de preparação para a aposentadoria para refletir alternativas de enfrentamento de questões de desgaste psíquico que podem ocorrer nessa fase.

Palavras-chaves: significados do trabalho; aposentadoria; qualidade de vida.

ABSTRACT: Preparing for Retirement: The Role of the Psychologist in this Context
Work is the main human activity, since it guides and, at the same time, is part of people’s identity. Besides that, work is life’s main regulator, considering that individuals organize schedules and family and social relationships according to it. In this context, retirement can represent a rupture with the formal Professional role; instead of being lived as a deserved rest, it can mean a threatening situation to the client´s psychological balance. However, nuances and differences in the meaning and ways of facing such a situation must be highlighted, considering the economic level and the social cultural factors that workers are submitted to.
Considering the psychologist’s role inside work organizations as of a professional who aims to improve the workers’ quality of life, the objective of this paper is to propose programs reflection and preparation for retirement that include thinking of alternatives to cope with and face the situations of psychological strain that can occur in that period.

Keywords: work; retirement; quality of life.

RESUMEN: La Preparación para la Jubilación: El Papel del Psicólogo Frente a esta Cuestión
El trabajo es la principal actividad del hombre, puesto que orienta y es integrante de su identidad. Además, el trabajo es el principal regulador de la vida, dado que el sujeto planea sus horarios y sus relacionamientos familiares y sociales en función de él. En este contexto, la jubilación, por representar la ruptura con El papel profesional formal, al contrario de ser vista como un descanso merecido, puede constituirse en uma amenaza para el equilibrio psicológico. Hay que destacar, sin embargo, matices y diferencias en La significación y modos de enfrentamiento, considerándose la clase económica y demás factores culturales y sociales a los que están sometidos los trabajadores. Comprendiendo el papel del psicólogo en lãs organizaciones de trabajo como profesional que actúa en el mejoramiento de la calidad de vida de los trabajadores, el objetivo de este artículo es proponer programas de reflexión y preparación para la jubilación, a fin de mostrar las alternativas de enfrentamiento de cuestiones de desgaste psíquico que pueden ocurrir en esa etapa.

Palabras-claves: significados del trabajo; jubilación; calidad de vida.

De acordo com Santos (1990), em algumas civilizações que valorizam as atividades intelectuais, ser idoso é sinônimo de sabedoria e experiência, e, por isso, os indivíduos, ao chegarem nessa etapa da vida, não perdem o seu papel ativo. França (2003) corrobora esta idéia e a complementa, ao afirmar que nas culturas orientais o idoso é visto com respeito
e admiração, símbolo de experiência de vida, representante da prudência, do saber acumulado e da reflexão, em contraposição a outras culturas, principalmente as ocidentais, nas quais o idoso representa o velho, no sentido pejorativo de ser ultrapassado e descartável.
Ser velho na sociedade capitalista “É sobreviver. Sem projeto, impedido de lembrar e ensinar, sofrendo as adversidades de um corpo que se desagrega à medida que a memória vai-se tornando cada vez mais viva, a velhice, que não existe para si, mas somente para o outro. E este outro é um opressor” (Bosi 1994, p.18-19).
No modo de produção capitalista, que idolatra a produção e aliena o trabalhador do processo de produção, a aposentadoria é freqüentemente vivenciada como a perda do próprio sentido da vida, uma espécie de morte social. Ao se valorizar apenas aqueles
que produzem, deprecia-se o sujeito aposentado (Santos, 1990).
Esse tipo de lógica é o que tem sustentado a sociedade contemporânea caracterizada por profundas transformações de natureza econômica, política, social, cultural etc., objetivando prioritariamente a produção de bens e mercadorias, assim como a acumulação de capital. O mundo do trabalho vem sofrendo contundentes processos de mutações, gerando crescente desemprego estrutural, com eliminação de vários postos de trabalho, deixando os
trabalhadores cada vez mais em condições precarizadas (Antunes, 2005).
No modo de produção capitalista, as organizações têm terceirizado os setores, excluído os mais velhos e exigindo qualificação contínua de seus operários, fomentando a diminuição do operariado e o aumento do subproletariado, levando à fragmentação e à complexificação da classe trabalhadora, gerando legiões de desempregados ou subempregados (Antunes, 1997).
No entanto, para os que conseguem chegar na fase da aposentadoria, faz-se necessário alertar para a existência de diferenças no processo de significação e enfrentamento dessa etapa da vida, especialmente levando-se em consideração fatores pessoais, culturais, sociais e econômicos a que estão submetidos os trabalhadores. Pré-aposentados de países
desenvolvidos, por exemplo, com alto poder aquisitivo, que conseguiram acumular recursos financeiros, materiais e intelectuais durante a vida laboral, provavelmente atribuem significados e enfrentem o período da aposentadoria de maneira diferente de
trabalhadores de baixo poder aquisitivo, que se encontram em países subdesenvolvidos ou em desenvolvimento.
As desigualdades sociais ficam ainda mais evidentes nesse período, afetando, portanto, diferentemente, os trabalhadores em função da posição hierárquica que ocupam, das condições intelectuais que possuem, do estado biológico de degradação ou conservação em que se encontram. O processo de envelhecer pode, portanto, ressaltar desigualdades
quanto à qualidade de vida e o bem-estar, considerando-se o sexo, a condição sócio econômica dos diferentes segmentos sociais potencializado, dessa maneira, a exclusão social (Debert & Néri, 2004).
Para Bosi (1994), a degradação senil começa com o nascimento e perdura por toda a vida. Nas relações de trabalho, esta degradação atinge não só o operário, mas também todos os outros profissionais de “maior prestígio”, considerando-se que o que move nossa sociedade atual é a competição e o lucro.
É fácil verificar o tratamento diferenciado que a sociedade capitalista tem dispensado a segmentos de aposentados de alto ou médio poder aquisitivo, quando comparado com aqueles que recebem salários inexpressivos. Os mais abastados, por representarem
um mercado consumidor em potencial, com possibilidades concretas de injetarem na economia importâncias financeiras significativas, são alvo preferencial de todo tipo de propaganda e sedução, tratados como um segmento representativo da “melhor
idade”. Além de dinheiro, que os qualifica como “consumidores desejados”, têm tempo para “aproveitarem” a vida, podendo gastar sem outras preocupações.
O mesmo não ocorre, entretanto, com a maioria da população brasileira que, em situação de
aposentadoria, fica à mercê de minguada remuneração e/ou de escassos benefícios sociais que beiram a imoralidade. Por não disporem do atributo qualificativo - “poder aquisitivo” -, condição “sine-qua-non” para estarem inseridos na sociedade de consumo, são desconsiderados pela lógica capitalista.
Assim, a perda do vínculo, com tudo o que representa “estar trabalhando”, pode ter influência na identidade pessoal, uma vez que a aposentadoria acarreta modificações nas relações instituídas entre o indivíduo e o sistema social. A aposentadoria traz para os indivíduos um conjunto de perdas que eram valores importantes, tais como o convívio com os colegas, o “status” social de pertencer a uma organização, o poder de exercer influência sobre os outros, assim como a própria rotina enquanto referencial de existência (Uvaldo, 1995).
Antunes (2005) enfatiza a importância do trabalho na construção do ser social, uma vez que o homem se produz e reproduz pelo trabalho. E é a partir do dia-a-dia do trabalho que ele se torna ser social, diferenciando-se de outras espécies.
A aposentadoria é uma fase que provoca mudanças e pode gerar ansiedades no indivíduo, considerando-se sua história na relação com o grupo social ao qual pertence. Sua identidade, como pessoa e como ser social, pode ficar ameaçada. É, ainda, um período de enfrentamento de outra questão: a de ser considerado velho.
Ser velho em nossa sociedade significa deixar de ser economicamente produtivo e, portanto, condição para ser desconsiderado e abandonado (Uvaldo,1995). Para Bosi (1994), muito mais que um destino, a velhice deve ser considerada como uma categoria social. Deste modo, o aposentado deverá reconstruir sua identidade pessoal através da interiorização de novos papéis e da busca de novos objetivos de vida, num processo de redefinição de sua vida, ao mesmo tempo em que deverá assumir essa nova fase, repensando o estigma de ser inativo nessa sociedade e estabelecendo novos pontos de referência. O objetivo deste artigo é, através de uma reflexão a respeito das competências necessárias ao psicólogo organizacional para uma prática emergente, fornecer subsídios teóricos que permitam elaborar um Programa de reflexão e preparação para a aposentadoria
como um programa de qualidade de vida.
Programas dessa natureza podem criar condições para que os futuros aposentados reflitam sobre os aspectos positivos e negativos dessa nova etapa, para que haja um enfrentamento mais consciente, tranqüilo, e que também habilite as pessoas a aumentar o controle sobre sua vida e sobre sua saúde, tanto física quanto mental.

O Papel do Psicólogo nas Organizações de Trabalho

Segundo Zanelli (1994), a trajetória da atuação do psicólogo organizacional no Brasil é predominantemente caracterizada como reprodutora de objetivos técnicos e sem muito poder de intervenção nos processos organizacionais decisórios, conseqüência direta de uma formação acadêmica reprodutora de técnicas. Em vista disso, para Bastos e Martins
(1990), torna-se necessária uma atuação mais abrangente e integrada desses processos que tenha como objetivo romper a atuação tradicional fragmentada, centrada no indivíduo e limitada à aplicação de testes para seleção, visando a uma atuação sistêmica, preocupada com o desenvolvimento e com o sistema organizacional como um todo. Assim, a partir da
visão desses autores, deve-se buscar uma relação mais saudável com o ambiente de trabalho, através de uma prática que priorize a promoção da qualidade de vida, caminho este que deve passar necessariamente por estratégias de desenvolvimento do indivíduo e de sua relação como membro de um grupo.
O modelo tradicional de atuação do psicólogo gera relações verticais dentro da organização, dificultando a percepção de possibilidades de integração no nível do planejamento estratégico, fazendo-o mantenedor ao invés de agente de mudanças, atuação
esta inconciliável com o paradigma emergente que coloca como ideal a participação e a transparência nas políticas da organização (Zanelli, 1994).
Ainda para o autor, dentro de uma política organizacional que busca superar esse modelo fragmentado de atuação, o papel do psicólogo, como um profissional de Recursos Humanos, seria o de auxiliar a organização a pensar em condições de trabalho que visassem à promoção de qualidade de vida dos trabalhadores. Buscar-se-iam estratégias para
facilitar às pessoas o contínuo desenvolvimento da tomada de consciência e a responsabilidade pelo desenvolvimento da própria saúde, abandonando atitudes aternalistas. Dentro desse novo paradigma, os programas de qualidade de vida constituemse como a base, caracterizados pela valorização da saúde mental do trabalhador.
Neste aspecto, o psicólogo, em seu exercício profissional, busca encontrar respostas para intervenções que promovam a qualidade de vida no trabalho, havendo a superposição da pesquisa com a intervenção.
Segundo Zanelli, Borges-Andrade e Bastos (2004), o escopo de atividades de pesquisa que
gerem intervenções, ou seja, a pesquisa-ação (criado por Kurt Lewin) é um exemplo clássico de recurso metodológico utilizado pelo psicólogo nas organizações, no sentido de identificar um problema relevante e envolver a comunidade organizacional para encontrar soluções que contribuam para a melhoria da qualidade de vida no trabalho.

Considerações Teóricas sobre Qualidade de Vida

Falar em qualidade de vida significa entrar no universo de um assunto atual e importante; porém, bastante polêmico e complexo. Atual e importante porque, nos últimos anos, muito se tem utilizado este conceito, de forma direta ou indireta e aplicado a várias áreas da vida, tornando-se uma expressão de uso comum, utilizado indiscriminadamente, sem um
aprofundamento adequado. Polêmico e complexo, pois envolve mudanças, condições e estilos de vida, bem-estar, necessidades humanas e de desenvolvimento social (Cardoso, 2000; Limongi-França, 2003).
Herzberg (1997) propõe uma teoria da motivação no trabalho na qual distingue motivação e satisfação.
Desse modo, a partir das necessidades humanas de sobrevivência condicionadas às necessidades biológicas básicas, surgem os fatores de satisfação ou higiênicos, tais como condições de trabalho, benefícios, política organizacional e relações interpessoais relacionados às necessidades psicológicas de auto-realização, encontram-se os
fatores motivadores ou de desenvolvimento, que englobam realização, reconhecimento e significado do trabalho, responsabilidade e progresso. Assim, averigua-se que a combinação desses dois fatores influencia diretamente a qualidade de vida no trabalho,
entendendo-se que esta representa a satisfação das necessidades básicas do ser humano e até de condições da organização, passando pelas necessidades secundárias do homem, com realce para a auto-realização.
Considerações semelhantes a essas são feitas por Fernandes e Gutierrez (1998, citado por Limongi-França, 2003) que evidenciam a importância da variedade, da identidade das tarefas, assim como do processo de retroinformação, enquanto variáveis que exercem influências sobre os comportamentos individuais no ambiente de trabalho, afetando, portanto, a qualidade de vida laboral.
Para Ballesteros (1996), qualidade de vida envolve bem-estar no domínio social, saúde física no âmbito da Medicina e satisfação no domínio psicológico.
De acordo com o autor, por maiores que sejam as dificuldades de definir essa expressão, não é difícil concluir que qualidade de vida não é sinônimo de qualidade do ambiente, de quantidade de bens materiais nem de saúde física. Distingue-se, também, de felicidade ou satisfação e não se reduz a condições externas de vida ou responsabilidade pessoal.
Não é transformá-la em uma questão interna ou externa, visto que é impossível separar o indivíduo de sua interação com o meio. Enfim, para este autor, a qualidade de vida diz respeito à maneira pela qual o indivíduo interage com o mundo externo, através de
sua individualidade e subjetividade, ou seja, a maneira como o sujeito é influenciado e como influencia seu ambiente. Desta forma, uma vida com qualidade é determinada pelo equilíbrio entre condições objetivas (renda, emprego, objetos possuídos, qualidade
da habitação etc.) e condições subjetivas (segurança, privacidade, reconhecimento, afeto etc.). A partir das considerações dos autores citados anteriormente, pode-se concluir que, para se compreender o significado da expressão qualidade de vida no trabalho, deve-se partir de um modelo de motivação que considere, necessariamente, tanto os aspectos da realização de necessidades biológicas, sociais e psicológicas.
Partindo-se desse princípio, torna-se fundamental pensar no pré-aposentado e na maneira como em nossa sociedade lhe é negado um espaço para ser útil, o que pode gerar adoecimento e desmotivação diante da vida, especialmente para segmentos
socialmente menos privilegiados. Desse modo, é necessário reverter este triste quadro em que estão inseridos esses indivíduos, investindo em condições que possibilitem a sua manutenção pessoal e familiar, de realização pessoal, de trabalho, de segurança
social. Para tanto, Cardoso (2000) aponta que é preciso redimensionar esse espaço, com o objetivo de se chegar à qualidade de vida para a realização de ações de significado social, que repercutirão no sentido da liberdade e da cidadania dessas pessoas.
Ao abordarmos a qualidade de vida no trabalho, faz-se necessário compreendermos o conceito de saúde. A Organização Mundial de Saúde (OMS) define saúde como “um estado completo de bem estar físico, mental e social”, e não somente como a ausência de doenças ou invalidez. Portanto, a saúde é “única no indivíduo e o trabalho clínico nos prova
diariamente que os fatores psicológicos afetam a saúde física gerando toda a patologia chamada psicossomática ... (e) as alterações físicas (...) provocam alterações mentais diversas (...). Além disso, tanto a saúde física como a mental estão por vezes condicionadas
com desencadeadores por circunstâncias sócio-culturais que crescem com o indivíduo”
(Guimarães, 1992, citado por Cardoso, 2000, p.79).
Neste enfoque, a qualidade de vida no trabalho vai além dos limites das organizações, onde existem relações de trabalho, e busca o bem-estar geral para o trabalhador em todos os ambientes em que vive, ou seja, procura monitorar as variáveis que abrangem o ambiente tecnológico, psicológico, sociológico, político e econômico do trabalho.
Além disso, Cardoso (2000) complementa a compreensão sobre qualidade de vida no trabalho, acrescentando a dimensão subjetiva que se refere à percepção que as pessoas têm de seu trabalho, a qual pode ser satisfatória e geradora de bem-estar social no ambiente de trabalho ou fora dele.
Assim, para se pensar em ações direcionadas à qualidade de vida do aposentado, é necessário compreender o que significa para um indivíduo se aposentar, qual o significado desse processo em sua vida; pois, a aposentadoria constitui-se numa etapa de transição
que pode significar uma ameaça ao seu equilíbrio psíquico, ao ameaçar a sua identidade como pessoa e como ser social. Faz-se necessário, então, que órgãos governamentais e não-governamentais estimulem a criação de programas de reflexão sobre a aposentadoria, por meio de organizações públicas e privadas de diferentes naturezas (entidades de classe,
instituições sociais, empresas, órgãos públicos etc.).

A Situação do Pré-Aposentado face à Aposentadoria

A aposentadoria, como qualquer situação de mudança, pode ser um evento desencadeador de ansiedade e ameaçador do equilíbrio psicológico da pessoa. Embora não exista unanimidade, vários autores, preocupados com esta problemática, buscaram elencar quais as variáveis que mais estão relacionadas a este desequilíbrio.
León (2000) afirma que o comprometimento da aparência pessoal, da saúde e do desempenho em relação à execução de algumas tarefas, mesmo que não atinja todos indivíduos, pode reforçar alguns preconceitos em relação aos aposentados, podendo
assim a aposentadoria ser visualizada como um demarcador temporal do envelhecimento.
Já, segundo Bruns e Abreu (1997), o envelhecer pode significar tornar-se descartável, como se fosse algo que possui uma duração programada e que, após um período de uso, vai para o lixo. Deste modo, parece que a sociedade capitalista estabelece um tempo útil de vida para as pessoas e que a aposentadoria possui um papel de dispositivo legal que o sistema criou para estabelecer esse limite. Em outras palavras, a aposentadoria concretiza esses limites do corpo que sofre as conseqüências de não ser reconhecido como produtor de mais valia, e, assim como uma mercadoria que tem seu tempo de uso vencido, deve ser retirada de circulação. Conforme Bosi (1994, p.79), “o velho sente-se um indivíduo diminuído, que luta para continuar sendo homem. O coeficiente de adversidade das coisas cresce: as escadas ficam mais duras de subir, as distâncias mais longas a percorrer, as ruas mais perigosas de atravessar, os pacotes mais pesados de carregar”.
Além do comprometimento físico, a aposentadoria pode também representar perdas materiais, psicológicas e sociais, como a queda dos rendimentos financeiros, desligamento dos colegas de trabalho, perda do status social que o trabalho proporcionava, entre outros, o que pode incidir na diminuição da auto-estima e da motivação, ocasionando
adoecimento mental que se reflete em crises depressivas, ansiedade, alcoolismo e até mesmo no suicídio.
Segundo Santos (1990), o modo como o indivíduo vivenciará a aposentadoria pode ser compreendido a partir da relação que o indivíduo estabeleceu, ao longo de sua vida, entre o papel profissional e o tempo livre, sendo que este, quando o sujeito se aposenta, pode ser direcionado para o crescimento individual ou apenas encarado como um tempo vazio e,
possivelmente, um espaço para a ociosidade. Um fator de extrema importância que reforça o caráter aversivo da aposentadoria, afetando a qualidade da transição, é, como aponta Ekerdt (1989, citado por Leon 2000), a falta de planejamento do futuro, seja pela falta de consciência da necessidade de planejar o futuro e a velhice, ou pela crença de que não há como controlar o futuro, o que pode ser considerado uma forma ineficaz de enfrentar a nova situação. Configura-se, assim, um estilo adaptativo contraproducente caracterizado pelo negativismo, dificuldade de se adaptar a situações novas e aversão a discutir qualquer assunto relacionado à aposentadoria.
Uma pesquisa realizada por Bruns e Abreu (1997) reforça a variável falta de planejamento como causadora de angústia e solidão na pós-aposentadoria, ao concluir que a realização pessoal fica sempre como um esboço de projeto para ser concretizado após a aposentadoria e, quando esta chega, as pessoas sentem-se surpresas e desencantadas por não saberem gerenciar criativamente e com prazer a existência sem uma ocupação profissional, mesmo quando a atividade antes exercida era executada com insatisfação.
Em resumo, a confrontação com o vazio deixado pelas horas antes dedicadas ao trabalho e o tédio do tempo desocupado, o afastamento ou a perda de relacionamento social com os colegas de trabalho, o medo do ócio, o papel social que a ocupação desenvolvida
representava e a perda de reconhecimento que dela advinha e, ainda, as dificuldades de adaptação a um convívio mais extenso com a família, podem constituir um período de ameaça ao equilíbrio mental do indivíduo.
Sabe-se que o modo de enfrentamento diante da necessidade de reestruturação da vida pode variar de indivíduo para indivíduo. Porém, com a autoconfiança diminuída e com um baixo grau de planejamento de vida pós-aposentadoria, além de preocupações financeiras e com a saúde, o período que antecede a aposentadoria pode vir a ser enfrentado com ansiedade e desencadear desequilíbrios tanto no aposentado como na estruturação de sua família e de seus demais vínculos. Segundo Zanelli e Silva (1996), na iminência da aposentadoria, os sentimentos se misturam e, por vezes, se contradizem, pois a possibilidade concreta
de parar de trabalhar conflita-se com o medo do tédio, da solidão, da instabilidade financeira e de doenças. Em decorrência de todos esses aspectos, com os quais o indivíduo se depara nessa fase de transição, alguns podem enfrentar essa ruptura com o trabalho formal de uma maneira saudável; porém, muitos, em decorrência de não saberem lidar com
as mudanças dessa nova etapa da vida, podem adoecer.
Para este autor, a transição que ocorre na aposentadoria pode ser facilitada, quando se promovem situações ou vivências grupais dentro do contexto organizacional, enquanto a pessoa ainda possui seu papel profissional e executa as atividades de seu trabalho,
e o rompimento brusco e repentino da rotina parece potencializar o início dos desajustes nas várias esferas da vida pessoal.
Dentro desse contexto, é fundamental pensar em ações para o pré-aposentado no contexto organizacional que impeçam sentimentos de inutilidade, evitando que a falta de reflexão faça com que a aposentadoria seja vivida sobre o prisma do adoecimento, inutilidade e ociosidade. Como profissional da saúde, o psicólogo organizacional, em equipe
multiprofissional (médico do trabalho, enfermeiro, assistente social, pedagogo etc.), pode propor e implementar políticas organizacionais que contribuam para a promoção da qualidade de vida do trabalhador. Um dos projetos, entre outros, que vem ao encontro do objetivo acima citado é o Programa de reflexão e preparação para a aposentadoria (P.R.P.A.)

Programa de Reflexão e Preparação para a Aposentadoria (P.R.P.A.): Algumas Contribuições para a Melhoria da Qualidade de Vida do Trabalhador

Da mesma maneira que os sentimentos despertados pela aposentadoria não são compartilhados por todos, não há muito espaço social para que tais questões possam ser discutidas e elaboradas. Nesse sentido, um Programa de reflexão e preparação para a aposentadoria (P.R.P.A.) visa a construir tal espaço, no qual possam ser trabalhadas maneiras de enfrentar essa nova etapa com melhores condições, com mais clareza e segurança.
Vale acrescentar que a Política Nacional do Idoso, através da lei nº 8.842 de 4 de janeiro de 1994, propõe a criação e a manutenção de programas de preparação para aposentadoria nos setores público e privado com antecedência mínima de dois anos antes do afastamento. Já o Estatuto do Idoso, através da lei nº 10.741 de 1º de outubro de 2003, estimula programas dessa natureza, ressaltando que devem ser realizados preferencialmente com antecedência
mínima de um ano, com o intuito de estimular o pré-aposentado a realizar novos projetos
sociais conforme seus interesses, esclarecendo também seus direitos sociais. Essas medidas demonstram que, apesar da pouca atenção de entidades governamentais, aos poucos a questão vem ganhando espaço.
Exemplo da preocupação atual com o assunto pode ser visto no estudo realizado por Feliciano e Lopes (2000) que investigaram sentimentos e cognições de funcionários administrativos e operacionais da Universidade Estadual Paulista (UNESP), sobre a iminência da aposentadoria, e, também, na experiência de implantação de um Programa de reflexão e preparação para aposentadoria (P.R.P.A.) realizado por Martins e Rocha (2003), respectivamente, na Secretaria da Administração da Prefeitura Municipal e na Polícia Militar, ambas no município de Bauru-SP.
De acordo com o modelo proposto por Zanelli e Silva (1996), para a elaboração de um Programa dessa natureza é necessário, primeiramente, realizar um diagnóstico, a partir de um levantamento de necessidades, com o intuito de conhecer aspectos psicológicos e sociais da população de pré-aposentados em questão, identificando suas cognições a
respeito de trabalho e demais âmbitos ligados às mudanças provocadas pela aposentadoria, tais como: relacionamento familiar, conjugal, sexual e com amigos; relação com o trabalho; ocupação do tempo e saúde. Esse tipo de investigação é importante uma vez que, segundo estes autores, os temas apresentados pelos participantes, quando agrupados em
categorias maiores, poderão orientar as intervenções futuras, direcionando o conteúdo a ser trabalhado e as reflexões propostas.
Segundo Zanelli e Silva (1996), esse programa é uma importante etapa de um processo que tem como objetivo principal a re-socialização do préaposentado, baseada no respeito ao ser humano e na consciência das modificações profundas que ocorrem no modo de viver desses indivíduos e da necessidade de reelaborar possíveis prejuízos que possam advir como conseqüência do rompimento brusco da rotina de trabalho. Dessa maneira, segundo Wilheim e Déak (1970, citado por Cardoso 2000), um programa pensado e elaborado nesses moldes deve aterse às condições subjetivas, fornecendo subsídios para que, a partir da reorganização do papel social, o indivíduo possa garantir segurança, reconhecimento,
sentimento de utilidade e valorização.
Entre os objetivos específicos que poderiam ser trabalhados destacam-se: a necessidade de proporcionar espaço para reflexão a respeito de possíveis alternativas de ação na aposentadoria, como o resgate da valorização do corpo físico e sua influência direta no bem-estar emocional; a importância da reelaboração de estereótipos, estigmas e preconceitos existentes em nossa sociedade, relacionados ao papel do aposentado; a influência dos vínculos, principalmente com a família, como um aspecto facilitador
nesse momento de mudança e a necessidade de refletir sobre a busca de novos projetos e auto-realização através da descoberta de potencialidades latentes (Zanelli & Silva, 1996).
Outro ponto a ser destacado em um Programa de reflexão e preparação para a aposentadoria é sua importância nas organizações, pois é o investimento na qualidade de vida do indivíduo que muitas vezes, preteriu sua vida pessoal e familiar para se dedicar
ao trabalho, e que, em breve, deixará a organização. Além disso, o que será, para um indivíduo que passou quarenta horas semanais no trabalho, o retorno definitivo para casa, que já possui uma dinâmica própria? Assim, um programa dessa natureza tem uma
extensão maior do que aparenta; pois, trará conseqüências também no âmbito familiar, possibilitando um melhor inter-relacionamento entre aposentado e familiares.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Ao se pensar na elaboração de um Programa de reflexão e preparação para a aposentadoria é de fundamental importância considerar que o objetivo principal deve ser a criação de condições concretas, de maximização do enriquecimento pessoal. Desse modo, um programa pensado nesses moldes é fundamental, no sentido de prevenir que a falta de planejamento cause possíveis angústias e conflitos emergentes com o término da carreira profissional, ensinando aos futuros aposentados que as possibilidades de ação não se esgotam com o fim da rotina de trabalho e sim que, a partir desses elementos, torna-se possível a construção da díade qualidade de vida e aposentadoria.
Ao investir na construção de ações de qualidade de vida nas organizações, a exemplo do Programa de reflexão e preparação para a aposentadoria, o psicólogo estará auxiliando na implementação de políticas que promovam o atendimento dessas necessidades,
especialmente em se tratando do bem-estar psíquico, exercitando a dimensão política e
educativa de seu papel profissional.
Além disso, o psicólogo tem o papel de pesquisador, de construtor de novos conhecimentos, ao investigar junto a trabalhadores de diferentes classes sociais o sentido, o significado de se aposentar, dado ao peso atribuído socialmente a essa condição, que
pode ser uma forma peculiar de sofrimento. Sofrimento este causado pelo sentimento de inadequação social e angústia quanto às perspectivas de sobrevivência.
Portanto, cabe ao psicólogo, em equipe multiprofissional, elaborar programas que contemplem variáveis importantes à qualidade de vida no trabalho e, especificamente, as questões relacionadas à subjetividade do trabalhador.


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Recebido: 16/08/04
1ª Revisão: 22/11/04
2ª Revisão: 12/07/05
Aceite final: 08/08/05

Sobre os autores
Milena Rodrigues é psicóloga formada pela Universidade Estadual Paulista (UNESP), Bauru/SP.
Maria Cristina Frollini Lunardelli é doutora em Educação pela Universidade Estadual Paulista (UNESP),
Marília/SP e professora da área de Psicologia Organizacional e do Trabalho da UNESP, Bauru/SP.
Luiz Carlos Canêo é doutor em Educação pela Universidade Federal de São Carlos (UFSCar) de São
Carlos/SP e professor da área de Psicologia Organizacional e do Trabalho da UNESP, Bauru/SP.

Resenha

SOUZA,Andréa Santos; MEIRA, Edméia Santos; NERI, Ivone Gonçalves; SILVA, Joice Alves da; GONÇALVES, Lucia Hisako Takase.Fatores de risco de maus-tratos ao idoso na relação idoso/cuidador em convivência intrafamiliar. Textos Envelhecimento, v.7 n°2, R.J., 2004.

Biografia:

Lucia Hisako Takase Gonçalves

Bolsista de Produtividade em Pesquisa 1B | Orientador de Doutorado
Doutorado em Enfermagem pela Universidade de São Paulo, Brasil (1973)
Pós-Doutorado pela University of California - San Francisco, Brasil(1988)
Atuação em Interdiciplinaridade, Gerontologia
Professor Adjunto IV da Universidade Federal de Santa Catarina , Brasil

Resumo:

Este artigo relata um estudo realizado com objetivo de identificar fatores de risco de maus-tratos na relação idoso/cuidador em convivência intrafamiliar, em famílias moradoras de uma comunidade de periferia do município de Jequié. Em seu processo de envelhecimento, a pessoa idosa pode vir a sofrer alterações de diversas ordens favorecedoras de condição de fragilidade, muitas vezes associada a uma doença crônico-degenerativa ou a um quadro de comorbidade. Essa condição torna o idoso dependente de cuidados de outro, podendo expô-lo a situação de risco de violência intrafamiliar. Esses idosos, com renda de um salário mínimo e convivendo em família de filhos e netos que deles dependem para a sobrevivência, por certo deixam de suprir suas próprias necessidades mínimas. Isso ocorre devido não só a renda deles, mais a própria está nas mãos dos cuidadores, e delas eles fazem o que bem entender. No Brasil, pouco se tem escrito e discutido sobre este tipo de violência, negligência,abuso e maus-tratos, isto pelo fato de que na maioria das vezes esses casos acontecem dentro da própria família, os idosos ficam com receio em denunciar e a situação acaba sendo abafada. Essa é uma realidade que vem acontecendo freqüentemente em nossa sociedade.

Palavras-chaves: Idoso, Relações Familiares, Maus-tratos.

“Em seu processo de envelhecimento, a pessoa idosa pode vir a sofrer alterações de diversas ordens favorecedoras de condição de fragilidade, muitas vezes associada a uma doença crônico-degenerativa ou a um quadro de comorbidade. Tal condição torna o idoso dependente de cuidados de outrem, podendo expô-lo a situações de risco de violência intrafamiliar, quando seus cuidadores forem familiares convivendo em contexto de relacionamentos disfuncionais”.
“No Brasil, pouco se tem escrito e discutido sobre violência, negligência, abuso e maus-tratos. Carece-se também de estatística quanto aos agredidos, agressores e também às prováveis causas. Trata-se de uma temática complexa, de difícil estudo e identificação, sobretudo em idosos, porque eles geralmente não denunciam abusos, menosprezo, abandono e desatenções sofridas, por medo de serem punidos e perderem o acolhimento que estão recebendo de seus cuidadores, que são, ao mesmo tempo, os próprios agressores. Outros sentem vergonha de fazer denúncias. Há ainda àqueles que sofrem de maus-tratos sutilmente mascarados que não se dão conta de que estão sendo vítimas de violência” (MINAYO; SOUZA, 2003).
“Os possíveis fatores de risco de maus-tratos em idosos foram levantados por meio da aplicação de um questionário composto de questões estruturadas, formulado especificamente para o presente estudo”.
“Esses idosos, com renda de um salário mínimo e convivendo em família de filhos e netos que deles dependem para a sobrevivência, por certo deixam de suprir suas próprias necessidades mínimas. Por isso, acreditamos que a condição de precários recursos materiais do idoso e do cuidador poderá configurar-se em situação de risco real de, no mínimo, negligência no cuidado do idoso”.
“Perguntados sobre a existência ou não de harmonia intrafamiliar, 44 (88%) idosos relataram haver desarmonia no seu relacionamento familiar, como se pode ver em suas palavras:
"Por mim se dá, mas eles não gostam de mim"; "às vezes eu não convivo bem com a nora"; "Mais ou menos,vai levando"; "De vez em quando a gente briga; "Por completo não ta bem, sempre há as desavenças"; "Não é muito bom não, a gente se atura"; "É que nem maré, uma hora tá bom, outra não tá, é mais pra ruim";" é meio perturbado, às vezes a gente sai na briga eu, meu filho e a nora"; "Meu genro briga muito aqui dentro de casa".
“Percebemos que as famílias se encontram despreparadas para enfrentar a condição de cronicidade prolongada no processo do envelhecimento dos idosos de que cuida. Permitem, assim, que se estabeleçam os conflitos intergeracionais, além de outras disfuncionalidades nas relações de cuidado, e transformam em riscos potenciais de desrespeito ao idoso em sua história de vida, e ao seu viver condigno”.
“Esses idosos, com renda de um salário mínimo e convivendo em família de filhos e netos que deles dependem para a sobrevivência, por certo deixam de suprir suas próprias necessidades mínimas. Por isso, acreditamos que a condição de precários recursos materiais do idoso e do cuidador poderá configurar-se em situação de risco real de, no mínimo, negligência no cuidado do idoso”.
“É notório observar que abusos, maus-tratos e negligência ocorridos em ambiente familiar, os conflitos intergeracionais, as dificuldades físico-financeiras, as mútuas dependências do idoso e do cuidador, somados ao imaginário social que considera a velhice e o envelhecimento como uma fase de decadência da vida humana, o estudo da violência contra os idosos se torna mais complexo, quando se deseja compreendê-la a partir do interior da unidade familiar, uma arena privada a ser tornada pública”.
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Resenha

ARAÚJO, L. F.; CARVALHO, V. M. L. Aspectos Sócio-Históricos e Psicológicos da Velhice. MNEME REVISTA DE HUMANIDADES. V. 6, n. 13, dez.2004/jan.2005
Disponível em http://www.seol.com.br/mneme


Ludgleydson Fernandes de Araújo
Mestrando em Psicologia Social e Especialista em Gerontologia
Pesquisador do Núcleo de Pesquisa Aspectos Psicossociais de Prevenção e Saúde Coletiva
Universidade Federal da Paraíba

Virgínia Ângela M. de Lucena e Carvalho
Doutora em Desenvolvimento Adulto e Envelhecimento Humano - Universidade de Salamanca-Espanha
Professora do Departamento de Serviço Social e Programa de Pós-Graduação em Serviço Social
Coordenadora da Base de Investigação Multidisciplinar em Desenvolvimento Humano e Envelhecimento
Universidade Federal da Paraíba

RESUMO:

A busca pela eterna juventude é assunto que vem desde a mais remota história, mas na última década o envelhecimento e a longevidade despertaram maior interesse devido ao aumento da perspectiva de vida. Os primeiros trabalhos científicos sobre envelhecimento humano começaram a aparecer no século XIV, desde então se buscava entender o processo que levava o indivíduo a envelhecer.
Até o século XIV, o velho era tratado como um sujeito incapaz der produzir. No início da década de 1920, questões sobre o envelhecimento começaram a aparecer em pesquisas científicas que basicamente abordavam as transformações fisiológicas, pois do ponto de vista comportamental, dizia-se ser uma fase pouco produtiva.
Só no final da década de 1950 é que o interesse da Psicologia pelo envelhecimento começou a crescer, devido ao aumento do número de idosos.
Na Psicologia do Desenvolvimento, os pesquisadores não encontravam respostas sobre a subjetividade do envelhecimento nem sobre a velhice côo fato social, mesmo já existindo a Gerontologia, a Psicologia do Envelhecimento se expandiu, área que se dedica às alterações do comportamento no envelhecimento é tema recente, mas que vem crescendo significativamente, pois se trata de uma fase do desenvolvimento humano tão importante quanto às demais.

Palavras-chave
Velhice – Envelhecimento humano – Abordagem sócio-histórica e psicológica

“No século XVI começaram a aparecer os primeiros trabalhos científicos acerca do envelhecimento humano, com representantes como Bacon, Descartes e Benjamim Franklin que acreditavam ser apenas o desenvolvimento de métodos científicos eficazes para ‘vencer’ as transformações da velhice. Francis Bacon (1561-1626) escreveu “A História Natural da Vida e da Morte e a Prolongação da Vida”, defendendo a idéia de que um espírito jovem inserido em um corpo velho faria regredir a evolução da natureza. Benjamim (1745-1813) por sua vez é o primeiro a dizer que são as doenças responsáveis pela morte e não o envelhecimento – que não é doença. (Azevedo, 2001; Leme, 1996).”

”Percebe-se que na atualidade é negado ao velho sua função social, uma vez que habilidades como aconselhar e lembrar são mecanismos não valorizados, sendo decorrente a opressão à velhice. Esta se dá a partir de mecanismos institucionais visíveis como, por exemplo, as casas de ‘repouso’, asilos, bem como por questões psicológicas (a tutelagem, a inexistência do diálogo, discriminação) e mecanismos científicos com pesquisas que demonstram deterioração física, deficiência nas relações interpessoais (Chauí, 1994).”

“As questões concernentes ao envelhecimento humano ganharam destaque na pauta das pesquisas científicas no início da década de 1920, com investigações que contemplavam, basicamente, as transformações fisiológicas e suas perdas para o organismo nesta fase do desenvolvimento. Estudos pioneiros, como os realizados por Stanley Hall, marcaram esta fase embrionária, enfocando a velhice entre os acadêmicos com a publicação, em 1922, da obra Senescence: the hall of life (Paiva, 1986).”

“É preciso que se estabeleça respeito pelo idoso, reconhecendo-o enquanto ser humano que, se por vezes apresenta uma certa diminuição de suas habilidades físicas e sensoriais, possui outras qualidades que podem ser igualmente importantes (Del Prette, 1999).”

“Não obstante, faz-se necessário conhecer como que esse constructo sócio-histórico e cultural tem perpassado a formulação de teorias e pesquisas que vislumbram explicar e predizer as manifestações psicossociais da velhice e do processo de envelhecimento humano.”

“O envelhecimento era tratado como uma fase em que existem perdas, havendo perdas gradativas das capacidades tanto físicas quanto psíquicas.”

“Segundo Baltes (1995), a evolução do campo da psicologia do envelhecimento, no século XX, acarretou mudanças também na natureza da psicologia do desenvolvimento que, em vários países, especialmente nos EUA, era um campo sobreposto ao da psicologia infantil.”

“Erik Erikson um dos pioneiros nos estudos sobre o desenvolvimento humano, com a formulação da Teoria do Desenvolvimento durante toda a vida (1963,1964), explicitava que o desenvolvimento se processa ao longo da vida e que o sentido da identidade de uma pessoa se desenvolve através de uma série de estágios psicossociais durante toda a vida (Bee & Mitchell, 1984).”

“Segundo Neri (1995),

a psicologia do envelhecimento é hoje a área que se dedica à investigação das alterações comportamentais que
acompanham o gradual declínio na funcionalidade dos vários domínios do comportamento psicológico, nos anos
mais avançados da vida adulta (p.13).”

“Um dos desafios enfrentados pela psicologia do envelhecimento a priori foi conciliar os conceitos de desenvolvimento e envelhecimento, tradicionalmente tratados como antagônicos, tanto pelos cientistas, quanto pela sociedade civil e a família, tendo em vista que se considerava a velhice como um período sem desenvolvimento. Essa questão poderia ser amenizada com a ajuda da sociedade, se esta providenciasse uma maior focalização em torno da longevidade, da saúde física e da adequação do ambiente às peculiaridades da velhice.”