terça-feira, 16 de junho de 2009

Envelhecimento bem-sucedido: uma meta no curso da vida

Ilka Nicéia D’Aquino Oliveira Teixeira e Anita Liberalesso Neri
Resumo: Não há definição consensual de envelhecimento bem-sucedido. Os termos envelhecimento ativo, robusto e bem-sucedido são usados de maneira indiscriminada para explicar o processo de envelhecer bem. O objetivo deste artigo é discutir o significado de envelhecimento bem-sucedido, enfatizando que a subjetividade do conceito está relacionada à individualidade e às diferenças socioculturais. A longevidade não deve ser o único componente para avaliar o envelhecimento bem-sucedido. Envelhecer bem envolve múltiplos fatores, incluindo individuais, psicológicos, biológicos e sociais. A conclusão é que o bem-estar subjetivo é o componente mais importante para avaliar o “sucesso”. O envelhecimento bem-sucedido assemelha-se a um princípio organizacional que pode ser alcançado estabelecendo-se metas pessoais realistas no curso de vida.
Palavras-chave: Envelhecimento. Longevidade. Qualidade de vida. Saúde do idoso

Introdução
Na sociedade ocidental, a busca pelo significado de envelhecimento bem-su¬cedido começou em 1944, ano em que o American Social Science Research Council estabeleceu o Committee on Social Adjustment to Old Age (Torres, 1999). Além de iniciar a discussão sobre a definição do conceito, o trabalho realizado por esse comitê resultou no desenvolvimento de instrumentos de medidas que correlacionaram obem-estar subjetivo aos fatores autonomia, bem-estar psicológico, estraté¬gias de enfrentamento e geratividade.
Como um conceito central da gerontologia, a expressão envelheci¬mento bem-sucedido foi mencionada por Robert. J. Havighurst, no perió¬dico The Gerontologist, em 1961 (Motta et al., 2005). Em 1987, Rowe e Kahn propuseram a distinção entre envelhecimento típico e bem-sucedido, su¬gerindo que o estudo dos determinantes desse processo deveria observar os indivíduos com características fisiológicas e psicossociais consideradas acima da média. Nos anos subseqüentes, Rowe liderou vários trabalhos no MacArthur Study of Successful Aging que incluíram os temas: performance física, relações entre a auto-estima e o sistema endócrino, função cognitiva e associações entre carga alostática e saúde.
Na década de 1990, pesquisas buscaram identificar os determinan¬tes do envelhecimento bem-sucedido, utilizando medidas objetivas e tentativas de operacionalização do fenômeno. Nos últimos cinco anos, a ênfase tem sido conhecer as percepções dos idosos sobre a experiência, associando esse conhecimento aos resultados das avaliações profissionais. A justificativa é não haver concordância sobre o significado de envelheci-mento bem-sucedido entre os pesquisadores da área (Glass, 2003; Depp & Jeste, 2006; Phelan, Anderson, LaCroix, & Larson, 2004; Phelan & Larson, 2002; Rowe & Kahn, 1997).
Strawbridge, Wallhagen e Cohen (2002) afirmam que o bem-estar subjetivo é um critério essencial para a velhice bem-sucedida; porém, Bo¬wling e Dieppe (2005) estendem essa noção, salientando a importância da prevenção da morbidade até o ponto mais próximo da morte. Segundo Phelan et al. (2004), a principal característica do envelhecimento saudável é a capacidade de aceitação das mudanças fisiológicas decorrentes da ida¬de. Para Hansen-Kyle (2005), envelhecer com saúde refere-se a um conceito pessoal cujo planejamento deve ser focalizado na história, nos atributos físicos e nas expectativas individuais, constituindo-se, portanto, numa jor¬nada e não num fim.
Discute-se também qual seria o termo adequado para designar essa condição, pois, no final da década de 1990, a Organização Mundial de Saúde (OMS, 2005) substituiu a expressão envelhecimento saudável por envelhecimento ativo, definindo o processo como “otimização das opor¬tunidades de saúde, participação e segurança, com o objetivo de melhorar a qualidade de vida à medida que as pessoas ficam mais velhas” (p. 13). Entretanto, vários descritores são utilizados para se referir ao mesmo con¬ceito na literatura, incluindo bem-sucedido, produtivo, saudável e robusto (Fried, Freedman, Endres, & Wasik, 1997; Lupien & Wan, 2004; Phelan & Lar¬son, 2002; Ramos, 2003; Rowe & Kahn, 1997).
Este artigo propõe uma reflexão sobre o significado do envelheci¬mento bem-sucedido. Dar-se-á ênfase à hipótese de que a subjetividade conceitual está relacionada às particularidades individuais e às diferenças socioculturais. Observa-se que a dicotomia sucesso/fracasso e as tentativas de estabelecimento de critérios exclusivamente objetivos sugerem que os idosos não incluídos no grupo referencial são responsáveis por suas con¬dições não ótimas. Sob outra perspectiva, os estudos de abordagem inte¬grada, que analisam medidas objetivas e valorizam as percepções dos ido¬sos, oferecem a possibilidade de definir o envelhecimento bem-sucedido como uma meta pessoal, continuamente modificada no curso da vida.
Definições de envelhecimento bem-sucedido
Em revisão da literatura, Phelan e Larson (2002) analisaram trabalhos que buscaram definir o envelhecimento bem-sucedido e identificar os pro¬váveis indicadores do sucesso. Apesar de haver diferentes definições ope¬racionais enfatizando a capacidade funcional, as seguintes características foram também consideradas: satisfação com a vida, longevidade, ausência de incapacidade, domínio/crescimento, participação social ativa, alta capa¬cidade funcional/ independência e adaptação positiva. Os fatores predito¬res variaram conforme os autores, destacando-se: nível educacional eleva¬do; prática de atividade física regular; senso de auto-eficácia; participação social e ausência de doenças crônicas.
Em outro estudo sobre o tema, Depp e Jeste (2006) encontraram 29 definições operacionais em 28 artigos. Esses autores demonstraram que há diferenças referentes aos domínios, variáveis independentes, instrumentos de medidas e proporção dos sujeitos que preencheram os critérios para envelhecimento bem-sucedido. Os componentes das definições selecio¬nadas foram classificados em dez categorias, e os resultados indicaram o predomínio de função física (26 artigos) e déficit cognitivo (13 artigos). Fre¬qüências mais baixas foram apresentadas nos outros domínios: bem-estar subjetivo (9), engajamento social (8), doenças (6), longevidade (4), auto-re¬lato de saúde (3), características da personalidade (2), ambiente/finanças (2) e auto-avaliação de envelhecimento bem-sucedido (2). Os critérios utili¬zados nas definições operacionais incluíram: independência no desempe¬nho das atividades de vida diária (AVDs); realização de trabalhos de jardi¬nagem, prática de esportes e caminhadas; Short-form 36 (SF-36) – função física; manter contato mensal com mais de três amigos/parentes; executar trabalho remunerado mais de 30 horas por semana, trabalho voluntário e atividades de assistência; sentir-se feliz, contente e sem preocupações; Es¬cala de Depressão Geriátrica (pontuação 5 em 15 itens); não ter cardiopa¬tia, acidente vascular encefálico (AVE), câncer, osteoporose, enfisema, asma, hipertensão e obesidade; não fumar; ter idade ≥ 85 anos; estar em situação financeira segura; gostar do ambiente domiciliar; Mini-Exame do Estado
1 Funcionalidade física, cognitiva e social sem necessidade de assistência (Phelan & Larson, 2002)
Mental > 8; concordar plenamente com a frase: “Estou envelhecendo de maneira bem-sucedida”.
Phelan e Larson (2002) explicam que os resultados dos estudos sobre envelhecimento bem-sucedido estão relacionados às definições utilizadas, sendo estas estabelecidas arbitrariamente pelos autores. Nos resultados das pesquisas analisadas por Depp e Jeste (2006), por exemplo, a propor¬ção de idosos bem-sucedidos variou de 0,4% a 95% . A heterogeneidade das definições foi a principal questão metodológica que contribuiu para a extensão dessa faixa. Os preditores mais significativos de sucesso na ve¬lhice foram: ser mais jovem (idade próxima dos 60 anos), ter melhor de¬sempenho nas AVDs, não ser tabagista e não ter artrite nem problemas auditivos. Gênero, nível de escolaridade, estado conjugal e renda não tive¬ram associação com envelhecimento bem-sucedido, mas cinco variáveis apresentaram correlação moderada: prática regular de atividades físicas, freqüência alta nos contatos sociais, ausência de depressão e de déficit cognitivo, menor número de condições médicas e melhor auto-relato de saúde (Depp & Jeste, 2006).
Segundo Depp e Jeste (2006), a alta freqüência do domínio função física nas definições, particularmente o desempenho das AVDs, não se aproxima dos resultados de pesquisas qualitativas. Nestas, os idosos infor¬mam que aspectos subjetivos, incluindo o engajamento social e a atitude positiva perante a vida, são componentes essenciais do envelhecimento bem-sucedido. Os autores acreditam na hipótese de que os pesquisado¬res dos artigos selecionados tenham construído as definições post hoc, baseando-as na ausência de declínio funcional, baixa inclusão dos fatores psicossociais e desconsideração dos estados de afeto positivo. Essa seria uma percepção clínica equivocada do fenótipo de envelhecimento bem-sucedido em contraposição à fragilidade.
Perspectivas biomédica e psicossocial

O conceito de envelhecimento bem-sucedido tem sido discutido sob a perspectiva biomédica e a psicossocial (Glass, 2003). Rowe e Kahn (1997) consideram que o envelhecimento bem-sucedido inclui três elementos: (1) probabilidade baixa de doenças e de incapacidades relacionadas às mes¬mas; (2) alta capacidade funcional cognitiva e física; (3) engajamento ativo com a vida. A hierarquia entre os componentes é representada pela inte¬gridade das funções física e mental. Essas funções atuam como potencial para a realização das atividades sociais, envolvendo as relações interpesso¬ais e as atividades produtivas, remuneradas ou não.
Essa noção de envelhecimento bem-sucedido considera a existência dos déficits cognitivos e fisiológicos associados à idade que são geneti¬camente determinados, mas pressupõe também que algumas condições podem ser modificadas (Kahn, 2002). Um dos resultados importantes do MacArthur Study of Successful Aging relaciona-se às mudanças possíveis nos níveis e padrões da função física pela influência de fatores potencial¬mente modificáveis, tais como: atividades físicas, suporte social e senso de auto-eficácia, independente de doenças crônicas e diferenças nas caracte¬rísticas sociodemográficas. Unger et al. (1999) investigaram os efeitos do apoio social nas mudanças da função física em indivíduos de 70 a 79 anos por um período de sete anos. Os resultados indicaram que os participantes que mantinham mais laços sociais demonstraram menos declínio da capa-cidade funcional.
Segundo Rowe e Kahn (1987), desvalorizar a heterogeneidade in¬dividual e cultural implica reduzir a importância da interação dos fatores biopsicossociais no envelhecimento, gerando o equívoco de que a alta fre¬qüência de condições específicas na velhice representa a totalidade dos casos. Os autores propõem que as condições de envelhecimento saudável, patológico e bem-sucedido sejam consideradas trajetórias em um conti¬nuum que pode tender para o declínio ou para a reversão e minimização de perdas por meio de intervenções.
Lupien e Wan (2004) reconhecem que os dados gerados pelos es¬tudos MacArthur são importantes para ampliar o conhecimento sobre o envelhecimento bem-sucedido. Porém, esses autores criticam o princípio elitista das pesquisas, explicando que os resultados não podem ser genera¬lizados porque a amostra foi constituída pelo tercil de idosos com melhor desempenho da função cognitiva e, conseqüentemente, maior nível de es-colaridade e condição econômica privilegiada. Lupien e Wan (2004) argu¬mentam ainda que a definição operacional utilizada no MacArthur Study não permite que idosos com incapacidade funcional sejam considerados bem-sucedidos.
Motta et al. (2005) testaram os critérios de Rowe e Kahn (1997) em uma amostra de 603 idosos residentes na Itália, investigando se centená¬rios saudáveis poderiam ser considerados protótipos do envelhecimento bem-sucedido. Os participantes formaram três grupos, observando o de-sempenho nas AVDs, AIVDs e função cognitiva, sendo 121 centenários em boa condição de saúde, 201 com saúde moderada e 280 em estado de saú¬de precária. Vinte e cinco por cento dos participantes considerados sau¬dáveis foram classificados como independentes, sendo 5,7% independen¬tes em todos os itens de AIVDs. Entretanto, mesmo com integridade das funções física e cognitiva, autonomia no desempenho das AVDs e AIVDs e realização de outras atividades, incluindo bordado, jardinagem e passar roupas, esses idosos haviam encerrado suas atividades profissionais e so¬ciais. Motta et al. (2005) concluíram que há dificuldade de preenchimento do terceiro critério de Rowe e Kahn (1997) para os indivíduos em idade avançada. Apesar da longevidade e boa condição de saúde, esses centená¬rios não poderiam ser considerados bem-sucedidos segundo o modelo.
Baltes (2000) propõe que o curso de vida segue um script de mu¬danças referentes às metas e aos meios de consecução das mesmas. O en¬velhecimento bem-sucedido pode ser alcançado por uma seqüência de seleção, otimização e compensação (SOC). A etapa da seleção consiste no direcionamento eletivo do desenvolvimento, incluindo a escolha das es¬truturas disponíveis para a obtenção satisfatória de metas. Essas metas são redefinidas conforme a repercussão das perdas nas atividades individuais e sociais. A otimização é o processo de potencializar os meios selecionados para o percurso, envolvendo o uso de recursos internos e externos para que o resultado seja eficiente. A compensação associa-se à otimização e se caracteriza pela aquisição ou ativação de novos meios e aprendizagens para compensar o declínio que coloca em risco a funcionalidade efetiva (Baltes & Smith, 2003).
Segundo Baltes e Smith (2003), SOC é um constructo psicossocial di¬nâmico cuja expressão atinge o pico na idade adulta, acentuando-se no envelhecimento como um plano de seleção e compensação com carac¬terísticas pessoais e contextuais específicas. O foco é a busca contínua de uma maneira efetiva de lidar com as perdas por meio de estratégias psi¬cológicas, alocando-se recursos internos e concretos e se aproximando de uma teoria de desenvolvimento adaptativo (Baltes & Smith, 2003).
Lupien e Wan (2004) entendem que a não inclusão das variáveis bio¬lógicas limita a aplicação do modelo SOC porque os atributos resiliência e enfrentamento variam também em função da saúde física e cognitiva. Esses autores objetam que alguns problemas de alta complexidade não poderiam ser solucionados na seqüência seleção, otimização e compen¬sação. A implementação desse modelo responsabilizaria excessivamente o indivíduo pelo bem-estar próprio. Baltes e Smith (2003), no entanto, re¬conhecem o desafio inerente à vulnerabilidade física, cognitiva e socioeco¬nômica na idade avançada, recomendando que sejam iniciadas discussões para fortalecer o princípio da dignidade nas situações de vida e morte das pessoas longevas. Os pesquisadores ressaltam que indivíduos muito ido¬sos se encontram no limite da capacidade funcional, havendo necessida¬de de planejamento e implementação de medidas que tornem efetivas as intervenções para redução da prevalência de fragilidade e da mortalidade psicológica, caracterizada por perdas da identidade, autonomia e senso de controle.
Riley e Riley (1994) enfatizam que há necessidade de se considerar o desenvolvimento humano, observando os aspectos ambientais, sociais e históricos da vida pessoal. Os autores propõem que o dinamismo do enve¬lhecimento humano se encontra à frente das mudanças estruturais, haven¬do uma “defasagem estrutural”. Segundo esses pesquisadores, o modelo atual que organiza a sociedade por faixas etárias deverá transformar-se em uma sociedade integrada pela idade. A idade não mais será um valor com poder de limitações na vida das pessoas nas instituições sociais, tais como educação, trabalho e aposentadoria. Para isso, no entanto, haverá a necessi¬dade de mudanças revolucionárias que são iniciadas quando as pesquisas sobre o envelhecimento complementam, em uma relação interacional, o conhecimento atual sobre as estruturas sociais.
Kahn (2002) observa que os modelos de Rowe e Kahn (1987), Baltes e Baltes (1990) e Riley e Riley (1994) podem ser complementares. O pri¬meiro enfatiza a possibilidade de os indivíduos manterem e melhorarem a capacidade física e mental, enquanto o segundo considera a importância da satisfação com a vida, a participação social e os recursos psicológicos. O terceiro estabelece que as sociedades podem proporcionar oportunida¬des de envelhecimento bem-sucedido ao implementarem recursos exter¬nos por meio de políticas públicas.
Abordagem integrada

Parece não haver concordância sobre as informações necessárias para a definição de envelhecimento bem-sucedido. Os pesquisadores questionam se os dados mais significativos seriam os resultados de medi¬das objetivas, auto-avaliações subjetivas ou ambos (Depp & Jeste, 2006).
Phelan e Larson (2002) reforçam a importância das pesquisas quali¬tativas. Segundo esses pesquisadores, poucos estudos investigam as opini¬ões dos idosos sobre o significado do envelhecimento bem-sucedido, mas as informações obtidas por entrevistas podem contribuir para uma valida¬ção de face das definições teóricas e para a relevância de estudos empíri¬cos sobre o tema. Em estudo posterior, Phelan et al. (2004) explicam que os instrumentos para conhecer as crenças sobre o envelhecimento ainda não conseguiram expandir os conceitos de envelhecimento bem-sucedido. Por essa razão, as percepções dos idosos podem contribuir para a elaboração das definições propostas pelos pesquisadores.
Em uma amostra de 867 participantes com idade entre 65 e 99 anos, Strawbridge et al. (2002) compararam o modelo de Rowe e Kahn (1987) e uma definição própria de envelhecimento bem-sucedido, em resposta à questão: “Eu estou envelhecendo com sucesso (ou envelhecendo bem)?”. Os resultados demonstraram diferenças nos percentuais de idosos con¬siderados bem-sucedidos segundo avaliação própria (50,3%) e com base nos critérios de Rowe e Kahn (18,8%). As variáveis ausência de doenças crônicas e manutenção da capacidade funcional foram associadas com envelhecimento bem-sucedido nas duas definições. Porém, muitos indiví¬duos consideraram-se bem-sucedidos mesmo tendo uma doença crônica (42,7%) e comorbidades (35% com duas e 16,7% com três ou mais).
Os dados relacionados às funções física e cognitiva foram similares, pois 35,5% dos participantes que apresentavam problemas físicos e cog¬nitivos avaliaram-se como bem-sucedidos. Trezentos e trinta e três dos 704 idosos classificados como sem sucesso, conforme os critérios do modelo, consideraram-se bem-sucedidos; mas 60 dos 163 participantes indicados como bem-sucedidos não se auto-avaliaram dessa forma. Para Strawbrid¬ge et al.(2002), a integridade da saúde física e a capacidade funcional são componentes importantes do envelhecimento bem-sucedido, mas uma definição não pode limitar-se a esses fatores. Excetuando-se os estudos com ênfase biológica, nos quais o conceito de sucesso na senescência está restrito à longevidade ou ausência de incapacidade, o componente bem-estar subjetivo é essencial para que uma definição de envelhecimento bem-sucedido seja válida.
Moraes e Souza (2005) investigaram os fatores associados ao enve¬lhecimento bem-sucedido em 400 idosos de Porto Alegre, RS. Após ajustes, quatro variáveis mantiveram correlação significativa com esse fenômeno: relações familiares e de amizade, saúde e bem-estar percebido, capacidade funcional e suporte psicossocial.
Os fatores que aparentemente influenciaram a condição de envelhe¬cer bem foram: a percepção de que as crenças pessoais proporcionam sig¬nificado para a vida e a percepção do status de saúde em diferentes graus. Os idosos que indicaram o status de saúde como muito bom ou bom ti¬veram a probabilidade 5,12 vezes mais alta de serem classificados como bem-sucedidos, enquanto os participantes que afirmaram que as crenças pessoais dão sentido à vida tiveram essa probabilidade 10,41 vezes mais alta. A conclusão, no entanto, foi que a percepção do status de saúde não foi um preditor independente do processo, ocorrendo de maneira similar com gênero, idade, condição conjugal, nível educacional e fatores ambien¬tais.
Para ampliar o conhecimento dos critérios de auto-avaliação do en¬velhecimento bem-sucedido, alguns autores recomendam a realização de entrevistas com os idosos (Glass, 2003; Depp & Jeste, 2006; Phelan & Larson, 2002; Phelan et al., 2004). Segundo Kahn (2002), embora as propriedades psicométricas dos estudos qualitativos sejam limitadas, há evidências de que, associadas aos dados objetivos, as informações subjetivas têm valores preditivos significativos.
Os resultados de entrevistas com 27 indivíduos com 85 anos, parti¬cipantes do estudo de Von Faber et al. (2001), indicaram que o sucesso é um processo de adaptação que inclui marcadores psicológicos, tais como: capacidade de ajustar-se às circunstâncias, valorização dos ganhos e apre¬ciação das qualidades pessoais. Bem-estar e atividades sociais foram fato¬res valorizados em comparação às funções física e psicocognitiva, sendo a dimensão social uma condição essencial para o bem-estar.
Puts et al. (2006) descreveram os significados de fragilidade e de en¬velhecimento bem-sucedido, segundo informações de entrevistas com 25 pessoas entre 55 e 88 anos de idade de Amsterdã, Holanda. Os participantes observaram que envelhecer com ou sem sucesso refere-se a um processo que acentua o estilo individual e não pode estar restrito à avaliação de um momento específico da vida. Os contatos sociais e as oportunidades para ajudar aos outros foram citados como critérios importantes, e os homens salientaram o sucesso profissional. A independência financeira foi mencio¬nada como uma medida de precaução para evitar preocupações na época da aposentadoria. A comparação com indivíduos em situação considerada pior foi descrita como forma de auto-afirmação nas realizações pessoais. Alguns participantes explicaram que a perspectiva positiva de enfrenta¬mento dos desafios corresponde a um estilo saudável de viver que se opõe ao comportamento de queixas.
Os idosos entrevistados no estudo de Puts et al. (2006) informaram que fragilidade e envelhecimento bem-sucedido são condições multifato¬riais, multidimensionais e opostas que interferem nas atividades de lazer. Envelhecimento bem-sucedido seria o processo de estar saudável e ativo, considerando-se as dimensões física, cognitiva e social; porém, fragilidade seria um estado caracterizado por problemas psicossociais e diminuição da saúde.
Variações culturais

Algumas pesquisas sobre envelhecimento bem-sucedido têm o objetivo de estabelecer critérios para as definições, mas essas tentativas de padronização são criticadas por Torres (1999). Segundo essa autora, o envelhecimento bem-sucedido é um valor norte-americano, sociocultural¬mente determinado. Portanto, os conceitos resultantes de estudos que não consideraram as variações culturais devem ser questionados.
A hipótese de aculturação do “sucesso na velhice” foi defendida tam¬bém por Phelan et al. (2004). Utilizando um questionário com 20 atribu¬tos de envelhecimento bem-sucedido, esses pesquisadores constataram que dois grupos de idosos (norte-americanos de ascendência japonesa e caucasianos) selecionaram os mesmos tópicos. Treze itens foram indica¬dos como importantes: saúde, satisfação com a vida, atenção de amigos e familiares, relações sociais, autonomia para escolhas, satisfação das neces¬sidades próprias, não sentir solidão, adaptação às mudanças relacionadas à idade, capacidade de autocuidado até próximo da morte, sentir-se bem consigo mesmo, enfrentar os desafios dos anos vindouros, não ter doenças crônicas e agir conforme os valores interiores.
Matsubayashi, Ishine, Wada e Okumiya (2006) aplicaram o mesmo questionário a 5.207 idosos de quatro cidades do Japão e compararam os resultados entre os dois grupos do estudo de Phelan et al. (2004) e o grupo de japoneses. O número menor de itens foi indicado pelos japoneses (7), seguidos pelos japoneses/norte-americanos (13) e pelos norte-america¬nos de origem caucasiana (14). Essa discrepância pode estar relacionada aos diferentes valores culturais, pois os 20 atributos de envelhecimento bem-sucedido foram derivados da literatura ocidental. Os itens importan¬tes para os idosos japoneses foram: saúde até a morte, satisfação com a vida, hereditariedade, atenção dos amigos e familiares, ajustes às mudan¬ças associadas ao envelhecimento, capacidade de autocuidado até próxi¬mo da morte e não ter doenças crônicas. Excetuando-se a hereditariedade, esses itens foram também indicados pelos dois outros grupos. Sete itens considerados importantes por mais de 75% dos respondentes dos Estados Unidos da América (EUA) não foram selecionados pelos idosos japoneses: envolvimento social, autonomia para escolhas, satisfação das necessidades próprias, não sentir solidão, sentir-se bem consigo mesmo, estar apto para enfrentar os desafios dos próximos anos e agir conforme valores próprios.
Critica-se o pressuposto de que o envelhecimento bem-sucedido tem valor superior à velhice típica, com declínio normativo na capacidade funcional. A referência é uma capacidade funcional excepcional que seria privilégio de poucos em idade avançada, gerando o equívoco de que as condições de doença e dependência representam marcadores de fracas¬so. Para Depp e Jeste (2006), o termo “bem-sucedido” é semanticamente problemático porque pressupõe a dicotomia sucesso-fracasso. Entretanto, adjetivos tais como saudável, produtivo e robusto tampouco são ideais, porque seus antônimos – doente, inválido e frágil – podem ser considera¬dos pejorativos, dependendo das conotações.
Strawbridge et al. (2002) reforçam essa crítica, explicando que a noção do sucesso pressupõe um contexto competitivo de vencedores e perdedores. Kahn (2002) considera que a expressão “bem-sucedido” tem o efeito, não intencional, de classificar os idosos como mal-sucedidos. O autor argumenta, no entanto, que o problema não é conceitual, mas refle¬te uma característica norte-americana que preserva uma visão dicotômica da vida (tudo/nada, sucesso/fracasso), não reconhecendo o continuum dos processos naturais.
Implicações clínicas

A heterogeneidade no envelhecimento dificulta a concordância so¬bre o conceito de “bem-sucedido”. Para estabelecer metas de promoção de saúde no âmbito individual e social, os profissionais devem conhecer as expectativas e os significados pessoais de sucesso.
Para Glass (2003), as doenças e limitações não impossibilitam a ex¬periência pessoal de velhice bem-sucedida. Muitos idosos relatam estar envelhecendo bem, embora os resultados de testes clinicamente objetivos demonstrem uma condição desfavorável de saúde.
As questões sobre objetivos pessoais, papéis sociais e componen¬tes da capacidade funcional podem contribuir para a sistematização das definições, facilitando a otimização das condições para o envelhecimento bem-sucedido (Bowling & Dieppe, 2005). Segundo Phelan et al. (2004), a inclusão das percepções da população idosa nas definições fortalece a prá¬tica clínica de abordagem centrada no paciente.
Considerações finais

As definições de envelhecimento saudável, ativo, robusto e bem-su¬cedido não encontram sustentação nos estudos que consideram apenas a longevidade como critério. O processo envolve múltiplos fatores individu¬ais, sociais e ambientais, determinantes e modificadores da saúde.
O conceito gera debates porque depende de uma apreciação in¬dividual que é justificada no bem-estar subjetivo. São infinitas as formas de sentir e avaliar a própria vida, de maneira que a interpretação literal da expressão “bem-sucedido” sugere uma noção simplista de sucesso ou fra¬casso. Para ampliar o conhecimento dos profissionais de saúde sobre as competências dos idosos, as pesquisas sobre o tema devem ser conduzi¬das pela perspectiva integrada: análise dos dados objetivos e das percep¬ções pessoais.
O envelhecimento bem-sucedido aproxima-se de um princípio orga¬nizacional para alcance de metas, que ultrapassa a objetividade da saúde física, expandindo-se em um continuum multidimensional. A ênfase recai sobre a percepção pessoal das possibilidades de adaptação às mudanças advindas do envelhecimento e condições associadas.
Envelhecer bem é uma questão pragmática de valores particulares que permeiam o curso da vida, incluindo as condições próximas da morte. A implementação de programas que elevam o nível de qualidade de vida dos idosos pode prescindir, temporariamente, da definição uniforme desse fenômeno. O objetivo de muitos idosos e profissionais tem sido a promo¬ção de saúde e bem-estar nessa fase da vida, seja referindo-se ao envelhe¬cimento saudável, produtivo, ativo ou bem-sucedido.



Referências

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Ilka Nicéia D’Aquino Oliveira Teixeira, Terapeuta Ocupacional pela Universidade Fede¬ral de Minas Gerais (UFMG), Mestre em Gerontologia pela Universidade Estadual de Campinas (Unicamp). Endereço de correspondência: Rua Olinda, 496 – Nova Suíça – CEP 30460-680 – Belo Horizonte, MG. Endereço eletrônico: ilkateixeira@netscape.net
Anita Liberalesso Neri, Psicóloga, Professora Titular na Unicamp, onde ensina e pesqui¬sa na área de Psicologia do Envelhecimento. Endereço: Departamento de Psicologia Educacional, FE Unicamp, Av. Bertrand Russell, 801 – Cidade Universitária – CEP 13083-970, Campinas, SP. Endereço eletrônico: anitalbn@uol.com.br

Recebido em: 23/04/2007
Aceito em: 30/09/2007

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