terça-feira, 9 de junho de 2009

Textos sobre Envelhecimento

ISSN 1517-5928 versão impressa
Textos Envelhecimento v.8 n.1 Rio de Janeiro 2005


Sexualidade e Terceira Idade:uma visão histórico-cultural*
Sexuality and the elderly: a cultural-historical vision
Arnaldo Risman¹
Resumo
De acordo com os dados do IBGE-1994, o número de pessoas acima de 60 anos vem crescendo no Brasil e no mundo. Várias pesquisas estão sendo realizadas nas áreas médica e social, pois a necessidade de conhecer essa população aumenta a cada dia. No entanto, em relação à sexualidade, existem poucas pesquisas voltadas para esse grupo específico. Sendo assim, este trabalho vem para enriquecer a nossa literatura. Com um enfoque sócio-cultural, realizamos uma pesquisa bibliográfica restaurando a história da sexualidade humana na Terceira idade. Neste caso, a sociedade necessita refletir seus conceitos e preconceitos sobre sexualidade, ampliando, assim, a percepção primária pela qual ela generaliza a possibilidade da troca afetiva, que pode ser realizada por toda a vida do ser humano.

PALAVRAS-CHAVE: envelhecimento; sexualidade; pesquisa; história; preconceito; afeto

Introdução
A sexualidade normalmente é um tema de difícil entendimento por parte das sociedades existentes, mesmo para os jovens, o que se agrava no caso dos idosos, dificultando-lhes a superação de seus problemas.
Acredita-se que, através do esclarecimento acerca das informações distorcidas que se difundem em relação à sexualidade poder-se-á contribuir para a diminuição das crenças e tabus sobre um assunto tão cheio de preconceitos.
Com uma visão restrita, tanto em relação à sexualidade quanto à velhice, a sociedade, muitas vezes, classifica este período da vida como um período de assexualidade e até de androginia, isto é, um período em que o indivíduo teria que assumir unicamente o papel de avó ou avô, cuidando de seus netos, fazendo tricô e vendo televisão.
Confirmando esta questão, Covey (1989) comenta que inúmeros mitos, atitudes sociais e estereótipos negativos são atribuídos aos idosos, mas os mais intensos são aqueles ligados à sexualidade, dificultando qualquer manifestação desta área em suas vidas.

O autor comenta ainda a citação de Starr, que afirma que: “Se as atitudes preconceituosas tipificam as atitudes em relação ao idoso, então, não há nenhum outro lugar onde este preconceito é mais aparente do que na área da sexualidade.” (p. 24)

A visão assexuada do idoso faz lembrar a assexualidade atribuída à criança, desmentida por Sigmund Freud, quando, no final do século XIX e início do século XX, realizou um trabalho chamado: Os três ensaios sobre a sexualidade, onde provou a existência da sexualidade na fase infantil do ser humano. Este dado escandalizou a sociedade vienense, que vivia sob uma educação vitoriana, na qual a repressão da sexualidade era muito acentuada.

No entanto, o que na verdade mobilizou os vienenses foi a ruptura da necessidade de acreditar que a manifestação da sexualidade teria uma idade para iniciar e para terminar.

A fase do idoso, entretanto, continua, de certa forma, a ser percebida como um período de “não sentir”, do “não desejo”, do “não querer”, entre outros rótulos que a sociedade costuma enfatizar. Sendo assim, a necessidade de um esclarecimento a este respeito é muito grande, pois os idosos já passaram pela fase da infância, da adolescência e, teoricamente, não precisariam ter uma “autorização superior” para exercer a sua sexualidade. No entanto, o que acontece é que, novamente, a repressão surge de forma brutal e impede que a sexualidade seja manifestada.

A exploração sobre o retorno da repressão sexual na velhice pode ser dada, segundo Vitiello (1987), pela associação muito comum que a sociedade faz entre atividade sexual e reprodução, dificultando, assim, o exercício da sexualidade do ser humano e da troca afetiva, após o período da possibilidade de procriação.

Para compreendermos melhor a repressão sexual na velhice, é necessário um estudo sobre os objetivos e regras do comportamento sexual dos casais em algumas civilizações ocidentais antigas que, de uma certa forma, serviram como herança para os dias atuais.
1 - O início de tudo: uma visão dos povos primitivos

As relações entre homens e mulheres, no que se refere à sexualidade e suas regras, inicia-se, segundo os antropólogos, nos povos primitivos.

Segundo Branden (1982), nas tribos primitivas as relações entre os sexos não eram mantidas com o intuito afetivo ou pelo desejo de ter o outro para si, e sim para estabelecer uma unidade com o propósito de sobrevivência física.

A percepção da não objetividade do vínculo afetivo se faz presente na citação acima. Neste caso, o Homem era subordinado às necessidades e regras básicas da tribo em todos os aspectos da vida, ou seja, voltado à mentalidade tribal. Desta forma, o comportamento e as necessidades individuais não eram valorizados, principalmente no que se referia às ligações amorosas. Mesmo que as informações adquiridas das tribos primitivas sejam baseadas em estudos antropológicos, ainda se verifica, no século XX, comportamentos que retratam estas atitudes.

Ainda de acordo com Branden (op.cit.), diversos outros pesquisadores como Hunt, Mead e Taylor constataram a existência de grupos que valorizavam a desvinculação afetiva em suas comunidades. Hunt, por exemplo, relata uma experiência do Dr. Andrey Richards, um antropólogo que conviveu com os Bemba, na Rodésia do Norte, nos anos 30. Esse médico teria contado uma história para este grupo, sobre um príncipe inglês que, para conquistar a sua amada, tinha escalado montanhas de cristais, atravessado pântanos e lutado contra dragões. Os Bemba ouviram atentamente, mas ficaram em silêncio no final da história. Finalmente, um velho chefe falou, traduzindo o sentimento de todos os presentes, fazendo a mais simples das perguntas: “Porque ele não arranjou outra mulher?”

Em outro estudo, realizado por Mead, sobre a população de Samoa, ficou demonstrada a estranheza das relações afetivas entre os indivíduos, conforme comenta a autora: “Enquanto são sancionadas e encorajadas a promiscuidade sexual e a curta duração das ligações sexuais, qualquer tendência à formação de vínculos emocionais entre indivíduos é ativamente desencorajada”. (p. 21)
Através desses estudos, percebe-se que nos povos considerados primitivos existe um temor muito maior em relação ao envolvimento afetivo do que em relação à atividade sexual. Este dado é confirmado por Branden (op.cit.), quando escreve que: “A atividade sexual é, com freqüência, aceita pela maioria quando os sentimentos que a incitam são superficiais”. (p. 22)

Comentando a pesquisa realizada por Taylor, com a população das Ilhas Trobiand, este item é confirmado quando o autor comenta que:
“Os adultos não se importam que as crianças se ocupem com folguedos sexuais ou que tentem, precocemente, praticar o ato sexual, quando adolescentes, podem dormir uns com os outros contanto que não estejam apaixonados. Se isso acontecer, o ato sexual passa a ser proibido e o fato de dormirem juntos duas pessoas que se amam representa uma quebra de regras de decência”. (p. 22)

A preocupação com uma possível vinculação afetiva ou amorosa entre a população primitiva pode ser traduzida como o medo da perda do controle dos valores e também da autoridade tribal.

Ainda, de acordo com Branden (op.cit.): “A mentalidade tribal, antiga ou moderna, tende a olhar o amor romântico como socialmente subversivo, como algo que ameaça o bem-estar da tribo, ou seja, da sociedade.” (p. 22). Este receio não se concentra somente no primitivismo, pois é possível verificar, nos dias atuais, através dos estados autoritários e das ditaduras do século XX, o desprezo pelo desejo do cidadão em possuir uma vida particular, com liberdade de expressar suas relações sociais, políticas e afetivas.

Além de uma interpretação política, devemos verificar que, nos povos “ditos” primitivos, a expectativa de vida era mais curta, como afirma Tannahill (1983): “Apenas dois em cada dez pessoas que ultrapassavam a infância e a adolescência poderiam esperar viver até os 30 anos” (p. 37). Sendo assim, os indivíduos morriam cedo. Logo, o mais adaptativo era garantir não a formação de vínculos duradouros, mas a perpetuação da espécie através de cópulas variadas, com diferentes mulheres entre diferentes pares.

No entanto, como tem sido verificado, entre os povos primitivos mais contemporâneos, eles continuam apresentando características iguais aos seus antepassados, sendo ainda a desvinculação afetiva, em suas relações sexuais, a preocupação maior destes grupos. Entretanto, mesmo com a repressão afetiva, a questão da sexualidade em relação à sua manifestação não é reprimida; pelo contrário, existe um incentivo, pois a procriação tem sido o principal fator a reforçar seu exercício, em diversos tempos e em sociedades diferentes.

A questão do idoso, no entanto, não é comentada nesse período até mesmo pela falta da possibilidade de uma longevidade.

A quantidade de anos de vida do indivíduo pode ser uma das explicações; porém, a mentalidade tribal talvez continuasse a mesma, se houvesse um aumento do período de vida, como se verifica nas tribos atuais descritas acima. Se, por ventura, ocorresse algum problema nessa área, seja pela idade ou infertilidade, o distanciamento seria inevitável, já que, entre eles, o envolvimento emocional é censurado severamente.

Deste modo, verificamos que a existência de regras e de condutas em relação à sexualidade do ser humano está presentes, desde o início da civilização, dificultando principalmente a possibilidade de uma troca afetiva sem outros interesses. É importante salientar também que nesse período não havia nenhuma religião que forçasse a procriação ou a possível desvinculação afetiva. Neste caso, a sociedade não pode atribuir a responsabilidade da dificuldade sexual dos dias de hoje somente à educação judaico-cristã, presente na formação da sociedade ocidental e sim em raízes mais profundas, estruturadas em nossa sociedade.
2 - Segundo momento: Grécia
A antiga Grécia ficou marcada como uma época na qual a beleza física era o ponto central de devoção e idolatria. Paralelamente a ela, os gregos valorizavam também o espírito, como afirma Cabral (1995).
Enquanto o ser humano cultivava estas qualidades na sua vida, as relações do homem e da mulher, no que diz respeito à sexualidade, nesta época, possuíam características que são importantes para o esclarecimento de determinados comportamentos atuais.

A posição feminina na sociedade era vista de forma desvalorizada e, enquanto a mulher não se casava, ela ficava subjugada à autoridade do pai ou a de algum parente próximo. No momento da realização de um “casamento arranjado”, a autoridade passava automaticamente para o marido.

Durante a vida de casada, a mulher passava a maior parte do seu tempo em seus aposentos, realizando afazeres femininos, sem direito a uma educação formal, sem informações políticas, e seus passeios eram realizados somente com acompanhantes.

Além disso, seus contatos com outros homens eram bem restritos, praticamente só com o marido e parentes. Até na hora das refeições a sua presença não era aconselhada.

Para Branden (1982), a questão da subordinação feminina ao homem remonta às idéias de Platão e Aristóteles, segundo os quais: “(...) as mulheres eram inferiores aos homens... no corpo e na mente. As mulheres eram educadas para serem subordinadas aos homens em quase todos os aspectos.” (p. 24)
Branden (1982) relata que, para o poeta grego Pallatas: “O casamento proporciona ao homem somente dois dias felizes: o dia em que leva a noiva para a cama e o dia em que leva a esposa para o túmulo.” (p. 23)

Todavia, o homem tinha uma obrigação com o Estado e com a religião - o de ter filhos. Neste caso, o casamento fazia-se necessário; porém, para o homem casar-se, era necessário que o perfil da esposa incluísse diversas qualidades: castidade, sensatez, conhecimento em costura, fiação e tecelagem, capacidade para administrar os empregados e ser contida quanto aos gastos, a fim de colaborar na conservação dos bens do marido e gerar filhos. Além de o casamento proporcionar filhos, assinala ainda Cabral (1995) que uma das maiores vantagens advindas com o casamento era a segurança para a velhice.
Indo mais a fundo na relação entre os sexos, é importante citar um filósofo grego que se dedicou ao estudo do relacionamento entre os sexos - Aristóteles - cujos pensamentos e ensinamentos serviram de referência para outros filósofos e pensadores medievais, muitos dos quais persistem até os dias atuais.
Aristóteles concentrou-se em algumas idéias importantes para a discussão de nosso tema e que serão relatadas abaixo:
a) a espécie humana inclina-se naturalmente à formação de casais, pois a reprodução é comum e necessária aos homens;
b) homens e mulheres unem-se também com o ideal de formar capital;
c) os filhos representam um laço de união, uma vez que os casais sem filhos separam-se facilmente;
d) o casamento de pessoas muito jovens não é bom para a procriação, pois em todas as espécies de animais a descendência de criaturas jovens é mais imperfeita, predominantemente de fêmeas e de tamanho pequeno;
e) para uma descendência sadia, o homem deve casar-se aos trinta e sete anos e a mulher aos dezoito. Desta forma, o casal chegará junto à época da infertilidade;
f) a saúde é mais importante que o amor; por isso, o Estado deve determinar a idade mínima e máxima para o sexo, além de determinar a melhor época para a procriação - o inverno.
g) para o controle da natalidade, em vez de realizar um infanticídio, deve ser realizado o aborto;
h) aconselha o uso de anticoncepcionais, introduzindo-os no ventre, antes das relações sexuais;
i) determina que existe um período próprio para iniciar a procriação e outro para encerrá-lo, “pois os filhos de pais muito jovens nascem imperfeitos de corpo e alma, e os de pais excessivamente idosos são débeis; conseqüentemente, este período deve ser limitado à fase da plenitude mental”; (p. 89) Cabral (1995)
j) sobre o adultério, as penas para as relações extraconjugais são iguais para ambos os sexos; reconhece, entretanto, ser a mulher dependente e obediente ao esposo, do mesmo modo que o escravo é para o seu senhor;
k) as mulheres são de natureza fraca, assim como são suas vontades; por isso, ela é incapaz de tornar-se independente quanto ao caráter e atitudes; e
m) o melhor lugar para a mulher é em casa, deixando para o seu marido as responsabilidades externas e sobre ela mesma.

Aristóteles atribuía à mulher um papel passivo e inferior, como se ela não tivesse a possibilidade de raciocínio sobre seus desejos, enquanto o homem era considerado um ser com atributos suficientes para poder controlar e resolver às questões financeiras e familiares.

O casamento era visto como uma união com interesses pessoais, como por exemplo: filhos legítimos, formação de capital, uma forma de assegurar o patrimônio familiar e segurança para a velhice, demonstrando, assim, que as uniões por amor estavam, a princípio, em segundo plano, dificultando possivelmente as trocas afetivas entre pessoas que deveriam unir-se por sentimentos mais profundos. Este tipo de união faz lembrar as relações sexuais dos povos primitivos, cujo objetivo central era a procriação para a sobrevivência de seu povo.
O exercício da sexualidade é um movimento de vida, de troca de energia e afetividade. No entanto, verifica-se que as normas e regras existentes nesse período da civilização humana já impediam a espontaneidade dessa possível experiência entre os seres humanos, principalmente para as pessoas de idade avançada, pois segundo Aristóteles: “A saúde é mais importante que o amor.” (p. 40)

Mais uma vez, na história da civilização, as normas da atividade sexual entre a população excluía os idosos, pois os objetivos do seu exercício - a procriação - não poderiam ser realizados pelos mais velhos.
3 - Terceiro momento: Roma
Branden (1982) sinaliza que, como os gregos, os casamentos entre os romanos não eram realizados por amor. O casamento ocorria, na maioria das vezes, por interesses políticos ou econômicos, além de ser uma forma do homem possuir filhos legítimos que herdariam os seus bens.

De acordo com Cabral (1995), por volta do século V A.C., o casamento era uma norma entre os indivíduos que pertenciam à classe da população livre de Roma. Importante salientar que, entre a população rotulada como não-livre, não existia a preocupação com questões ligadas ao contrato de casamento, pois não tinham posses para uma possível divisão.
Além disso, existiam três formas de contrato que eram: o confarreatio, o coemptio e o de usus. O tipo confarreatio era realizado através de uma união muito cerimoniosa e de difícil dissolução. O contrato de forma coemptio consistia numa espécie de compra da mulher, no qual o marido pagava em dinheiro um certo valor ao pai da noiva. E por último, o usus, no qual o casamento só se realizava após um ano de união e, enquanto isso, a mulher continuava a pertencer a família de origem. O contrato do tipo usus foi muito bem aceito entre os romanos, pois além de beneficiar os cônjuges, o dote da mulher ficava, durante este período, em posse paterna.
Ainda segundo Cabral (op.cit.), não se conhece até em que época essas três formas de casamento mantiveram-se.

A administração da casa e a educação dos filhos pertenciam à mulher; porém, além desses deveres caseiros, sua ocupação com os negócios de sua família também se faziam presentes.

A mulher podia adquirir bens materiais como roupas, jóias, objetos para a residência, maquilagem, entre outras, e isso permaneceu durante muito tempo. Este hábito, porém, teve uma grande mudança, por ocasião da guerra contra Aníbal, por volta de 215 a.C. Nesse período, foi decretada uma lei chamada Oppiana, a qual proibia as mulheres de realizarem seus passeios de carruagem e a usarem roupas tingidas ou jóias. O objetivo desta lei era a contenção de despesas para garantir a sucesso da guerra. Todavia, com o final da guerra, a lei não foi extinta, provocando muitas insatisfações entre as mulheres.

Alguns movimentos femininos foram realizados, mas Catão insistia em não ceder às mulheres, temendo que, ao abrir esta oportunidade, as mulheres passassem a exigir outras regalias, até chegar a um grau em que elas estivessem em igualdade com relação aos homens.

Com referência ao divórcio, como ocorria entre os gregos, este poderia ser concedido, e os motivos eram muitos - entre outros, inclusive, as mulheres poderiam solicitar a separação alegando que o marido e a relação eram tediosos.
Porém, no caso do marido, as possibilidades de uma separação eram bem maiores, sendo igualmente maior o número de motivos: imoralidade, extravagâncias, futilidade ou por motivo de envelhecimento feminino.

Tannahill (1983) salienta que o aparecimento de rugas poderia ser um motivo de divórcio. Neste caso, a observação da questão da velhice feminina era um fator prejudicial na relação e que, provavelmente, poderia atrapalhar o convívio do casal por perda dos padrões estéticos de beleza e, conseqüentemente, falta de atração sexual. Dessa forma, verifica-se que o envelhecimento feminino esteve mais preconceitualizado do que o masculino, demonstrando, assim, a importância da beleza física dessa época até os dias atuais.
Cabral (1995) comenta que Roma foi uma cidade com surtos de epidemias e, por várias vezes, a população foi alvo de doenças como o sarampo, o cólera, a varíola, que provocavam várias mortes. Além disso, as guerras, terremotos e enchentes também contribuíram, segundo o autor, para que a população apresentasse uma média de vida em torno dos 30 anos de idade.

As características do comportamento e dos papéis sexuais na antiga Roma possuem muito mais fatores para serem comentados. No entanto, este trabalho enfoca a questão da velhice. Sendo assim, após a citação do autor, observa-se que a população de Roma caracteriza-se pela baixa faixa etária. Desta forma, a sexualidade e velhice nesta população, a priori, não deveriam ser tão presentes.
4 - Quarto momento: Cristianismo, uma grande mudança
Ao final do Império Romano, em sua desintegração, surge uma nova força cultural e histórica que começaria a causar grande impacto sobre o mundo ocidental, a qual iría afetar as relações entre homens e mulheres tão profundamente quanto afetou o resto da cultura ocidental: o cristianismo.

Segundo Branden (1982): “A força central dessa nova religião era um profundo ascetismo, uma intensa hostilidade pela sexualidade humana e um desprezo muito grande pela vida terrena.” (p. 27). O Cristianismo, na verdade, hostilizava o sexo, pois este prazer físico simbolizava um mal para o espírito.

Salienta ainda Branden (op.cit.) que a doutrina da dicotomia corpo-alma já era presente em outras linhas de pensamento como as doutrinas do Estoicismo (entre os romanos), do Neoplatonismo e do misticismo. O Cristianismo, entretanto, mobilizou-se, reuniu em torno de si a crescente revolta do povo contra a decadência do período e oferecendo: “O apelo de um ácido purificador.” (p. 27)

Entre os seguidores dessa nova cultura estava São Paulo, que elevou o conceito grego da dicotomia corpo-alma a uma importância muito grande, no mundo ocidental, ao conceituar a alma como: “Uma entidade separada do corpo, transcendendo a este” e, ao mesmo tempo, reduzindo o corpo a: “somente a uma prisão, na qual a alma está encarcerada. É o corpo que impele uma pessoa ao pecado, ao prazer e ao desejo sexual”. (p. 28)

O Cristianismo, dessa forma, trouxe para o ser humano um conceito de amor altruísta e não sexual. Neste caso, o amor e o sexo eram vistos como pertencentes a pólos opostos; a fonte de amor era Deus e a fonte do sexo era o demônio. Desta forma, a melhor solução seria o celibato, pois representava o ideal da moral. Contudo, de acordo com São Paulo: “(...) se aos homens faltar o necessário autocontrole, que se casem, pois é melhor casar-se do que arder de desejos” (p. 28)

Cabral (1995) comenta que a questão da união carnal tornou-se polêmica do século VII ao XII, entre os componentes da Igreja. Todavia, através de discussões, os componentes da Igreja definiram o casamento como: “uma união consentida e abençoada por Deus, que conferia ao mesmo tempo a indulgência ao ato sexual, porém não conferia o direito de praticá-lo sem a intenção de procriar.” (p. 107)

O reforço ao único objetivo da relação sexual - a procriação - obteve a influência marcante de Santo Agostinho, o qual assinala seu posicionamento diante da atividade sexual, através das normas descritas abaixo:
admitir a união legal;
recomendar aos casais uma vida de continência;
as renúncias às relações sexuais eram uma forma de desfrutar de uma vida sincera e cristã;
valorizar a amizade assexuada entre o casal;
os pais deveriam possuir domínio sobre os filhos;
proibir a utilização de contraceptivos;
proibir a felação.

Diante das regras e normas a respeito da atividade sexual do casal, Santo Agostinho confirma sua posição negativa em relação ao sexo, quando conceitua o desejo sexual como sendo:...“um aprisionamento cruel na espécie.” (p. 109)

Dessa forma, o conceito de atividade sexual e reprodução torna-se mais forte, ou seja, o sexo permanece ligado à reprodução de seres e não a uma reprodução de trocas afetivas de quem se ama, dificultando, assim, a manifestação da sexualidade entre idosos.

Infelizmente, as idéias básicas do Cristianismo consolidaram-se naquela época, e foram divulgadas, por muitos séculos, fincando-se como estrutura real na Idade Média.
5 - Quinto movimento e o rótulo final: Idade Média
A Idade Média caracterizou-se por ser um período da história onde a sociedade estava muito preocupada e interessada em modificar os padrões morais e do comportamento sexual. Neste momento, a Igreja medieval proclamava que os assuntos relativos à moral estavam dentro de sua circunscrição, sendo assim, esteve na frente, possuindo um papel dominante na definição do que era um comportamento sexual apropriado.

Segundo Covey (1989), os escritores do começo da Idade Média estudaram a Bíblia com o interesse de achar algo que viesse a reforçar seus pensamentos repressivos sobre o sexo, mas verificaram que a Bíblia apresentava ambigüidade sobre este assunto.

Procurando reforçar os seus pensamentos, os trabalhos de Santo Jerome (342 D.C. 420 D.C.) foram de grande importância para a história até o século XIX. Estes trabalhos confirmaram que a idéia do celibato era o ideal para a vida de um Homem; aqueles que, no entanto, não conseguissem aceitar esses padrões, poderiam manter atividades sexuais com a finalidade de procriar, pois só dessa forma o intercurso sexual era aceitável.

Com uma visão de sexo tão repressiva, a Igreja da Idade Média estipulou, segundo Covey (op.cit.), que: “a maioria das relações sexuais eram desviantes e as consideraram como pecados contra a natureza.” (p. 93)

Apesar dos esforços da Igreja medieval, o período foi considerado como sendo relativamente aberto, ou seja, houve uma certa liberdade sexual no final da Idade Média.

No século XIV, tal comportamento mais liberal teria sido reprimido logo após um grande evento que foi a peste negra, que matou grande parte da população européia. O questionamento da população foi muito grande, querendo saber qual foi o motivo dessa desgraça ter ocorrido. Segundo Covey (1969), a resposta a esta questão foi que “Deus estava punindo-os por práticas sexuais pecaminosas e que este pecado deveria ser reprimido.”(p. 94)

Através do sentimento de culpa do povo pelas atividades sexuais, a Igreja reiniciou a repressão sexual, servindo assim como um grande mecanismo primário para este movimento.

Nos séculos XV e XVI, outro movimento foi realizado para reforçar a filosofia da Igreja medieval - a caça às bruxas. Esta ação foi concretizada com a publicação do manual, realizado por Sprenger and Kramer, chamado Malleus Maleficarum (Hammur of witches).
O manual descrevia alguns argumentos que justificavam a caça às bruxas. Dentre eles são citados: (a) a bruxaria era realizada por luxúria carnal; (b) as mulheres eram as grandes culpadas, pois eram insaciáveis, até mais do que os homens; (c) a impotência masculina, o aborto natural e a infertilidade eram considerados como uma realização de bruxarias.

A Igreja medieval, através dessas atividades de repressão, caracterizou-se como uma instituição política que tentou estabelecer normas e ideais de comportamento sexual para a sociedade ocidental da época, principalmente através de punições das atitudes e práticas conceituadas como desviantes. Sendo assim, a postura da Igreja era a de que o sexo era pecaminoso, tendo uma participação especial do demônio.

Sendo os preconceitos voltados para o comportamento sexual desviante, ou seja, desvinculado da procriação, a atividade sexual dos idosos, naquela época, era também considerada como algo negativo e demoníaco, já que, nessa idade, o coito e o desejo sexual não eram bem aceitos pela Igreja.
6 - Séculos concentrados no reforço da assexualidade do idoso
Covey (1989), percebendo e observando a falta de material bibliográfico referente ao tema, realizou uma pesquisa histórica, baseada em trabalhos de autores, cujas obras datavam dos anos Setenta, como: Smith e Sommers, assim como de autores mais recentes (Burrow e Barash), que pesquisaram essa questão. Acentua Covey (op.cit.) que esses autores verificaram que, apesar das grandes diferenças entre as pessoas idosas em termos de saúde, status sócio-econômico e prestígio, é possível constatar temas e percepções comuns, com respeito a sua sexualidade.

Covey (op.cit.) salienta que as crenças ocidentais sobre a assexualidade do idoso estão sendo sustentadas desde a Idade Média, ao disseminarem que o apetite sexual desaparece com o envelhecimento, que o sexo é perverso na velhice e que os idosos que tentavam praticá-lo sofriam uma autodecepção pelas dificuldades oriundas da idade. Ainda comenta que: “Em adição, os conceitos tradicionais relacionados à sexualidade, tais como: beleza, atração, potência sexual e orgasmos femininos não eram referidos às pessoas idosas e sim as excluíam.” (p. 3)

Analisando os trabalhos de Smith, publicados em 1976, Covey (op.cit.) ressalta que, na sociedade medieval, as idades da vida eram socialmente divididas em: juventude - caracterizada como um período de força, atividade sexual e reprodução, e velhice - caracterizada como um processo invertido de crescimento, associado com características de deterioração.

Quanto ao trabalho de Burrow, publicado em 1986, Covey (op.cit.) constata o comportamento sexual do idoso era considerado inapropriado e ainda salienta que: “Aqueles idosos que permaneciam em atividades sexuais eram julgados como tendo um comportamento inapropriado em relação à idade, apresentando assim uma variedade de respostas sociais negativas.” (p. 5)

O sexo realizado entre os idosos casados era visto também como não natural e representava uma afronta à dignidade. Em 1988 esta visão ajudava aos mais jovens a não sentirem os idosos como competidores sexuais (Barash, cit. por Covey, 1989), esta visão ajudava aos mais jovens a não sentirem os idosos como competidores sexuais. Esta percepção talvez tenha sido e continue a ser o motivo principal pelo qual a sociedade visualiza o idoso como “sem sexo”.

Desta forma, as manifestações sexuais realizadas pelos idosos eram vistas como imorais e a Igreja medieval considerava estas manifestações como o motivo central da permanência do ser humano na terra. Sobre a questão, Covey (op.cit.) usa as especificações de Sommers que, em 1978, diz que estes desejos sexuais “representavam os grilhões, para a pessoa idosa; grilhões que prendiam o idoso a este mundo.” (p. 98)
Covey (1989) e Kauppinen (1991), em seus artigos, comentam algumas dessas percepções e diferenças entre os sexos na velhice. Entre suas interpretações estão:
(a) para os homens idosos, a relação com mulheres mais jovens representava um aumento da virilidade ou um prolongamento da vida;
(b) para as mulheres idosas, a relação sexual com homens mais jovens era vista como um mau comportamento, sem nenhum efeito sobre a duração da vida;
(c) os homens idosos, sexualmente ativos, eram vistos praticando auto-ilusão, devido à sua inabilidade em atrair mulheres e ter uma relação sexual;
(d) as mulheres idosas, sexualmente ativas, eram vistas como enganadoras, que atraem e controlam o homem para satisfazer seus desejos sexuais;
(e) o homem idoso só possuía acesso ao sexo através do seu poder de compra e status social;
(f) as mulheres idosas só ganharam acesso ao sexo através da sedução e de poderes maléficos sobre os homens;
(g) homens idosos que tentavam manter uma vida sexual ativa eram considerados engraçados e objetos de humor;
(h) mulheres idosas que tentavam manter uma vida sexual ativa não eram vistas de forma humorística e, sim, maléfica;
(i) homens idosos eram tolos;
(j) mulheres idosas eram sinistras e praticantes de bruxarias.

A relação sexual entre velhos e jovens, portanto, já apresentava uma visão machista, pois nas relações sexuais com pessoas mais jovens, os homens possuíam uma boa explicação para seus atos - era uma forma de aumentar a sua virilidade. Além do poder e status serem vistos como formas positivas para a continuação do exercício da sexualidade. Para as mulheres, no entanto, as relações com pessoas mais jovens passavam por uma avaliação negativa sem nenhum componente positivo na sua ação. Além disso, seus desejos sexuais eram considerados casos de bruxaria, demonstrando assim, uma inferiorização da mulher em relação ao homem.

A literatura até hoje disponível, entretanto, não contribuiu muito no estudo dessa parcela da população. Explicações são oferecidas, até mesmo na verbalização da não-existência de um número acentuado de idosos, no período da história antiga da humanidade. No entanto, Covey (1989) observou que “um monte de literaturas, anterior ao século XIX, assumia uma indiferença sexual no idoso de ambos os sexos (...) e quando mencionados, eram vistos como eunucos sexuais.” (p. 95)

Mesmo com a falta de material disponível em relação à questão do idoso e sua sexualidade na história, pode-se verificar que, nas civilizações retratadas neste capítulo, a questão da procriação era um ponto central de uma relação sexual, fazendo com que a desvinculação afetiva fosse um fator importante na relação do casal.
Todavia, deve-se observar que, mesmo após o período de fertilidade, o desejo, o querer e o sentir faziam-se presentes, pois se não existissem, não haveria necessidade de normas de comportamento repressivas para os idosos e nem atribuições negativas às suas atividades. Neste sentido, algumas perguntas são importantes para serem levantadas, entre elas estão:
- Será que a história está certa, no sentido de que, após o período da procriação, o ser humano perde totalmente a capacidade de ter desejo?
- Será que o idoso não possui mais a sensação da excitação sexual?
- Será que o idoso não tem mais a possibilidade de sentir orgasmo?
- Ou será que devemos continuar acreditando na história que acentua a desvinculação do afeto e que o desejo pelo sexo é uma obra do demônio?
7- A sexualidade do idoso: O resultado da história no século XX
Diante de tantos tabus, a sociedade continua com dificuldades em lidar com a questão da sexualidade, principalmente, no que se refere ao idoso. A grande força negativa que o grupo de idosos possui, em relação à sua manifestação do desejo ou da atividade sexual, vem das normas de comportamento existentes nos séculos anteriores.

Pode-se verificar a existência dessa visão de “inércia sexual na velhice”, ainda no final do século XX, através de um livro escrito por Max Sussol (s.d.), intitulado: O que se pode fazer sexualmente após os 80 anos?, no qual suas páginas encontram-se completamente vazias, demonstrando assim uma percepção negativa e irônica da sexualidade na idade avançada. Mas, o que é espantoso, é que o livro foi comercializado em um congresso mundial de sexualidade, realizado em 1993, no Rio de Janeiro. Este livro, na verdade, reforça a existência de estereótipos relativos à degeneração do idoso, como se, ao chegar a uma determinada idade, o homem tivesse a perda de todos as suas funções afetivas e musculares.

Contrapondo-se a esta questão, verifica-se que, em 1940, na cidade de Lisboa, era lançado um livro chamado A fisiologia do sexo, escrito por Kenneth Walker (1954), onde o autor comenta abertamente sobre a existência do desejo, do impulso e da manifestação da sexualidade na velhice. Observa-se, assim, a luta entre perceber o idoso como um ser capaz de exercer a sua sexualidade sem preconceitos e, por outro lado, reforçar a degeneração do idoso através das páginas em branco.

Na existência de percepções positivas e negativas na fase da velhice, Libman (1989) comenta que, atualmente, os gerontologistas estão trabalhando para a quebra ou diminuição dos preconceitos de conotação negativa e dos estereótipos que são atribuídos aos idosos, como o de serem degenerativos. Ainda segundo a autora, é importante tomar cuidado, pois nesses combates podem surgir os chamados “contramitos”, que são imagens superotimistas do idoso, igualmente não-realistas. Neste caso, o importante não é a criação dos “contramitos” e, sim, demonstrar e permitir que o idoso manifeste sua sexualidade sem culpa, sem considerar que esta atitude ou sentimento seja percebido como anormais.

Para Fischman e Damrosch (1985), esses sentimentos de anormalidade diante de seus desejos sexuais podem prejudicar o comportamento dos idosos e acrescentam que: “As atitudes culturais que denigrem a idade... prevalecem tanto que há um número inimaginável de indivíduos idosos que sentem ser algo anormal expressar as necessidades sexuais” (p. 852)

Ainda segundo os autores citados acima, a sociedade continua a reforçar, de maneira brutal, a assexualidade na velhice, e citam Lief, que afirma: “A nossa cultura foi, e continua largamente sendo... anti-sexual em relação ao idoso.” (Fischman e Damrosch (1985), p. 852)

Um dos grandes problemas para a permanência dessa percepção da assexualidade do idoso está ligado aos modelos de referências que as pessoas adquirem no decorrer da vida. Esses modelos de referências, como diz Libman (1989), estão voltados normalmente para o que a sociedade classifica como adequado à faixa etária em que o indivíduo está. Neste caso, os idosos, automaticamente, acabam rotulando-se também como sendo um grupo de características negativas, uma vez que as pessoas de meia-idade já estão apresentando dificuldades sexuais, sem verificar suas próprias potencialidades.

Os modelos de referência prejudicam não só ao idoso, como também aos mais jovens, que acabam adquirindo conceitos e atitudes relacionados à sexualidade muito rígidos. Tais modelos não só interferem na sexualidade do jovem, como também, fazem-no acreditar, muitas vezes, que ele próprio não terá necessidades sexuais, quando atingir a velhice.

Sobre a visão do jovem em relação à sexualidade na idade avançada, foi realizada, segundo Ludeman (1981), Ferrigno (1990) e Gurian (1986), uma pesquisa por Cameron, em 1970, onde o pesquisador constatou através de uma amostra de 317 pessoas, entre homens e mulheres de idades que variavam entre 18 a 79 anos, que independente da idade, os idosos foram considerados estando abaixo da média, nos seguintes aspectos: 1- desejo para o sexo; 2- habilidade para desempenhar a sexualidade; 3- capacidade para o sexo; 4- freqüência de atividades sexuais e 5- oportunidades sociais para a freqüência.
Outra pesquisa, salientada pelos autores, foi a de La Torre e Kear, em 1977, na qual avaliaram atitudes a respeito do desempenho sexual dos idosos, considerando, para a classificação, as reações das pessoas frente às histórias. Nesse trabalho, participaram 80 estudantes universitários e 40 enfermeiros domiciliares, os quais taxaram e classificaram três histórias em oito escalas comparativas.
As histórias de cunho sexual, onde os personagens eram idosos, foram avaliadas pelos profissionais como mais imorais do que as histórias nas quais os protagonistas eram jovens, principalmente se os personagens estivessem envolvidos numa cena ou situação de coito.

Através da avaliação, ficou constatado também que a relação sexual, envolvendo o coito propriamente dito, entre os idosos, era vista com menos credibilidade do que a masturbação.

A pouca credibilidade na ocorrência de relações sexuais em oposição à masturbação pode ser interpretada como um fator, um sustentáculo para a teoria do desengajamento do idoso das práticas sexuais, afirmando, assim, ser normal e desejado que ele se retire, se afaste tanto da sociedade, como das atividades sexuais.
É o jovem, entretanto, quem mais abertamente preconceitualiza a sexualidade do idoso, ridicularizando qualquer manifestação sexual dos mais velhos.

Em palestras e reuniões para adolescentes e jovens adultos, quando é mencionado o trabalho de expandir o conhecimento sobre o comportamento sexual das pessoas de idade avançada, o retorno é de deboche, ou até mesmo colocações como: “Eles não fazem mais nada!”; “Oferecer informações para quem não exercita a maravilha do sexo!?”, entre outras.

Através dessas expressões, observa-se o grau de preconceitos e estereótipos negativos que os mais jovens possuem em relação aos idosos, como também sobre si mesmos, já que, futuramente, eles farão parte do grupo de Terceira Idade, quando estarão presos aos seus próprios conceitos e preconceitos.

Com esse tipo de movimento, é necessário concordar com Tajfel (1982), quando diz que: “A estereotipia deveria ser vista como um aspecto do método ridículo que nós utilizamos para depreciar aquilo que receamos.” (p. 161) Neste ponto, é necessário que a sociedade reflita seus conceitos básicos sobre o comportamento sexual. Questionando profundamente as suas próprias atitudes referentes a essa questão.

Não se deve admitir que, quase no século XXI, o homem possuía um conceito tão arcaico sobre sexualidade, isto é, depositando nela somente o papel de procriação. E, não só isso: acreditando, também, na existência da sexualidade somente durante um período finito e determinado da vida do ser humano.
Sobre esta forma de verificar a manifestação da sexualidade como uma conduta condicionada a um determinado papel, Vasconcelos (1994) salienta que:
Quando se pretende que só há uma forma de desenvolver a sexualidade e que esta forma está condicionada a uma fase da vida, está-se dando prova de uma ignorância existencial diante das estações da existência e do desenvolvimento dela. Ignora-se que a sexualidade madura tem seu ritmo próprio e sua manifestação peculiar e que esse fruto está ali para ser colhido e saboreado em sua estranha doçura. (p. 48)
Mesmo que na sociedade a sexualidade esteja vivendo em um quadro de condicionamentos culturais, e restrita a um período preestabelecido, limitando-se ao período reprodutivo, verifica-se que, entre os idosos, existe uma diferença importante e positiva que os diferenciam dos mais jovens.

Enquanto esses jovens estão presos aos papéis sexuais reforçados pela nossa cultura, isto é, ao casamento, a ter filhos, criá-los e educá-los, os idosos já estão libertos desses estereótipos, ou seja, de comportarem-se sexualmente apenas para este fim. Se não fossem as limitações impostas e auto-impostas, as possibilidades sexuais dos idosos estariam muito mais amplas e livres para manifestarem-se.
Vasconcelos (1994) salienta essa questão quando comenta que: “Os mais velhos já passaram por isso e já devem ter percebido que a libido propriamente não tem sexo e podem, mais facilmente do que os jovens, deixarem-na manifestar-se, seja hetero, homo ou auto-eroticamente.” (p. 49)

A liberdade de expressar o desejo sexual, ou simplesmente liberar a energia existente dentro de cada ser humano, não é tão fácil de ser conseguida, até mesmo de forma auto-erótica.

Para demonstrar a existência dessa energia e da dificuldade de expressão do desejo sexual, Werlang (1989) realizou uma análise sobre um texto de Clarisse Lispector, intitulado Ruídos de passos, de 1974, onde a autora relata a angústia de uma idosa diante de seu desejo sexual.

Percebendo a importância do texto, resolvemos transcrevê-lo para enriquecer o nosso trabalho através de sua análise.
Ruídos de passos
Clarisse Lispector
“Tinha oitenta e um anos de idade. Chama-se dona Cândida Raposo.
Essa senhora tinha a vertigem de viver. A vertigem se acentuava quando ia passar dias numa fazenda: a altitude, o verde das árvores, a chuva, tudo isso a piorava. Quando ouvia Liszt se arrepiava toda. Fora linda na juventude. E tinha vergonha quando cheirava profundamente uma rosa.
Pois foi com dona Cândida Raposo que o desejo de prazer não passava.
Teve enfim a grande coragem de ir a um ginecologista.
E perguntou-lhe envergonhada, de cabeça baixa:
- Quando é que passa?
- Passa o quê, minha senhora?
- A coisa.
- Que coisa?
- A coisa, repetiu. O desejo de prazer, disse enfim.
- Minha senhora, lamento lhe dizer que não passa nunca.
Olhou-o espantada.
- Mas eu tenho oitenta e um anos de idade!
- Não importa, minha senhora. É até o morrer.
- Mas isso é o inferno!
- É a vida, senhora Raposo.
A vida era isso, então? Essa falta de vergonha?
- E o que é que eu faço? Ninguém me quer mais...
O médico olhou-a com piedade.
- Não há remédio, minha senhora.
- E se eu pagasse?
Não ia adiantar de nada. A senhora tem que se lembrar que tem oitenta e um anos de idade.
- E... e se eu me arranjasse sozinha? O senhor entende o que eu quero dizer?
- É, disse o médico. Pode ser um remédio.
Então saiu do consultório. A filha esperava-a embaixo, de carro. Um filho Cândida perdera na guerra, era um pracinha. Tinha essa intolerável dor no coração: a de sobreviver a um ser adorado.
Nessa mesma noite deu um jeito e solitariamente satisfez-se. Mudos fogos de artifícios. Depois chorou. Tinha vergonha. Daí em diante usaria o mesmo processo. Sempre triste. É a vida, senhora Raposo, é a vida. Até a bênção da morte.
A morte.
Parece-lhe ouvir o ruído de passos. Os passos de seu marido Antenor Raposo.’ (p. 93)
Diante da obra de Clarice Lispector, verifica-se que a manifestação da sexualidade não termina com a idade. Sendo assim, o ser humano não deve continuar acreditando que o desejo e a necessidade da manifestação sexual na Terceira Idade sejam atribuídos a questões diabólicas ou que seja um comportamento negativo em suas vidas, como era visto na Idade Média. E nem como diz Rieman (1995), que para algumas pessoas “o desejo pode ser um presente de grego.” (p. 36)
A falta de informação sobre o processo de envelhecimento, assim como das mudanças na sexualidade, em diferentes faixas etárias e especialmente na velhice, tem auxiliado a manutenção de preconceitos e, conseqüentemente, trouxeram muitas estagnações das atividades sexuais das pessoas com mais idade.
Muitas pessoas, pela formação reprimida que tiveram, possuem uma dificuldade em falar sobre sexo, dificultando muitas vezes, o esclarecimento de suas dificuldades nesta área.

É comum que uma pessoa aos 70 anos coma menos que um jovem. A pessoa sabe que isso pode acontecer, mas não é por isso que fica achando que vai morrer. Porém, com relação ao sexo, as preocupações são maiores, ou seja, se o desejo ou outro fator estiver se modificando, é porque vai acabar, aí o sujeito entra em desespero. Por este motivo, é necessário frisar que: “a função sexual existe até a morte e apenas será diferente em cada época da vida.” (op.cit. p. 91)

É importante salientar que essas diferenças podem acentuar-se, se o idoso estiver utilizando algum tipo de medicação, ou por estar com alguma doença. Neste caso é provável que diminua o desempenho sexual em momentos de crise de seu estado patológico. Se a saúde estiver boa, no entanto, nada impedirá que o indivíduo mantenha a sua atividade sexual.

Na verdade, mesmo ocorrendo mudanças nas áreas social, política e médica, os preconceitos em relação à atividade sexual precisam ser discutidos e analisados, visando uma melhor explicação e orientação das verdadeiras mudanças existentes no comportamento sexual do idoso, para que este grupo possa não se sentir culpado pelos seus desejos sexuais, independentemente da forma de sua manifestação.
Notas
* Texto trabalhado em dissertação de mestrado da Universidade Gama Filho, Rio de Janeiro.
¹ Psicólogo, pós-graduado em Sexualidade Humana, Mestre em Sexologia, Professor da Universidade Veiga de Almeida, Membro do Centro de Estudos e Pesquisas do Comportamento e Sexualidade – Cepcos.

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Abstract
According to data collected by IBGE in , there has been an increase in the number of people over 60 in Brasil and worlwide. Several studies are being carried out in the medical and social areas, since the need to know this population is increasing constantly. However, very few studies address the liteterature in this respect. In this case, there is a necessity for the society to reflect about its concepts and prejudices concerning sexuality, inhancing thus, the primary perception which genitalizes the possibility of affective exchange that can be fulfilled in the whole life of human beings.
KEYWORDS: aging; sexuality; research; history; prejudice; affect.

Recebido para publicação em: 27/09/2004
Correspondência para:
Arnaldo Risman
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